2012-11-20

Os burocratas continuam preguiçosos e querendo iPad

Há muitos meses atrás, relatei a preguiça dos burocratas da presidência da república em redigir uma simples justificativa para compra de iPads. Chupinharam um artigo já publicado na Internet e copiaram vários parágrafos sem citação. Originalidade, autoria, reconhecimento? Pra quê, né? Precisa escrever uma justificativa meia-boca pra gastar o dinheiro do contribuinte: usa o google e copia a primeira coisa que encontrar. 

Não é difícil imaginar que a prática seja comum, antiga, e que continua. O engraçado foi acontecer novamente com a compra de iPads. No shit.

Dessa vez foi a CAPES que decidiu adquirir iPads e tablets na plataforma Android para testes de software. Querem adquirir 17 iPads e 17 tablets Android. Muitos, poucos... vai saber. Serão comprados via Pregão eletrônico (21/2012). A parte divertida é o Termo de Referência do edital de licitação. Além da descrição do que se quer comprar, precisa-se justificar a compra com um blablablá de muitos parágrafos para parecer importante. Um trecho chama atenção:

"Esse fenômeno que alguns já estão chamando de era pós-PC é causa e também conseqüência das mudanças tecnológicas e sociais que estão mudando a maneira de como interagimos com os computadores. Cada vez mais a computação torna-se ubíqua e casual. Torna-se parte integrante de nossa vida social e profissional. A era pós-PC significa na prática sair do contexto onde o computador era visto como equipamento, para um cenário onde computação passa a ser uma simples e corriqueira atividade social." Anexo I - Termo de Referência do edital CAPES 21/2012, p. 21-22, grifo meu

"Ubíqua"? Não é uma palavra que burocratas usem. Possivelmente computeiros a usam, mas não burocratas. Claro, tanto burocratas quanto computeiros (ou ambos) podem ter escrito a justificativa, mas a palavra chamou minha atenção. Vinte segundos de busca confirmaram minha suspeita:

"O fenômeno que chamamos de pós-PC é causa e também consequencia das mudanças tecnológicas e sociais que estão mudando a maneira de como interagimos com os computadores. Cada vez mais a computação torna-se ubíqua e casual. Torna-se parte integrante de nossa vida social e profissional. A era pós-PC signfica na prática sair do contexto onde o computador era visto como equipamento, para um cenário onde computação passa a ser uma simples e corriqueira atividade social." - Artigo "O que é o mundo pós-PC" de Cezar Taurion, publicado em 12/09/2012 e disponível em seu blog.


Novamente, um burocrata recorreu ao plágio por preguiça de escrever algo novo, preguiça de citar a citar a fonte ou receber crédito pelo que não fez. Ou talvez desconheça o significado de autoria, plágio, fonte, etc. Mas há dúvida nesse caso?

2012-10-05

Quantos são os terceirizados na CAPES?

Há uns meses atrás, escrevi de montão sobre a terceirização na CAPES. Ainda que não tivesse dados precisos sobre o a quantidade de terceirizados trabalhando em funções que não são típicas de terceirização, imaginava que fosse uma parcela relevante. Com a Lei de Acesso à Informação, pude obter esse dado (e outros) com maior precisão: a força de trabalho terceirizada na CAPES para serviços de apoio administrativo é de 25% do total. O cálculo é simples: são 122 trabalhadores terceirizados (informação fornecida pela CAPES) e 371 servidores públicos (nem todos do quadro permanente da CAPES) em exercício na CAPES de acordo com dados do Portal da Transparência em 05/10/2012.

Antes de destrinchar a informação, compartilho os dados fornecidos pela CAPES, que são 100% públicos:

Primeiro, meu pedido via Serviço de Informações ao Cidadão:

"Solicito informações sobre os funcionários terceirizados que prestam serviços à CAPES pelo contrato com a empresa Cidade Serviços (Pregão 1/2012). Mais especificamente, solicito que seja fornecida a listagem dos funcionários trabalhando na CAPES com as seguintes informações associadas a cada funcionário: - Diretoria de lotação; - Coordenação de lotação (quando aplicável); - Nível (auxiliar administrativo nível I, II ou III); - Lista dos sistemas internos (e.g. sistemas de pagamento e acompanhamento de bolsistas) e da administração federal (e.g. SIAFI) aos quais têm acesso, excluindo e-mail e sistema de protocolo (SPArq). Se possível, detalhar o nível de acesso a cada sistema; - Data de contratação. As informações podem ser referentes ao mês de agosto de 2012. Não é necessária nenhuma informação pessoal além do nome de cada funcionário." 

Se ainda não fez o download, mais uma oportunidade aqui.

2012-09-20

A situação dos servidores do Executivo Federal

Você tá andando igual patrão?
Enviado por um leitor fiel.

Nota aos não burocratas: DAS é a abreviação da gratificação de uma classe de cargos de confiança no executivo federal: Grupo Direção e Assessoramento Superiores.

2012-09-10

CAPES: o, a, @?

Já é senso comum entre os servidores da CAPES que o órgão é desconhecido para o público não-acadêmico (e para muitos alunos de 1o ano de graduação de boas universidades). Uma evidência anedótica desse anonimato são conversas com pessoas que confundem CAPES com CAPS. Outra é a alternância do pronome definido antes da sigla (ou acrônimo para os pedantes): "a CAPES" ou "o CAPES"?

A alternância do artigo não acontece apenas por ignorância, como alguns colegas poderiam pensar. Como CAPES é usada como uma palavra, a terminação em "s" não ajuda a saber o gênero gramatical. Se você não sabe que CAPES vem de "Coordenação..." ou "Fundação Coordenação...", escolhe-se o artigo por analogia, pelo mais provável: o lápis, o gás, o pires, o ourives e o CNPq (órgão que os estudantes de 1o ano de graduação não distinguem da CAPES). Daí generalizar e usar "o CAPES" fica até previsível. E, obviamente, não faz nenhuma diferença na prática. Talvez só irrite os pedantes da língua.

Desconfio que a convergência para o artigo "a" só aconteceria se a CAPES ficasse realmente conhecida, algo como uma série de reportagens no Jornal Nacional ou envolvimento numa grande CPI, i.e., Fuhgeddaboudit.

Confesso que, principalmente por misantropia, evito falar que trabalho "na CAPES" e ter de emendar a lenga-lenga de sempre pra explicar o que é a CAPES. Tenho duas táticas para responder à pergunta "Onde você trabalha?":

1: "- Na Fundação CAPES". A palavra "fundação" dá um ar de importância e "CAPES" passa a ser irrelevante. Essa opção possivelmente pode provocar uma continuação, mas ao menos você se valoriza e não precisa admitir que o órgão é um secretaria glorificada do MEC.
2: "- No MEC". Todo mundo sabe o que é "MEC" e o assunto tende a ir para outros tópicos. Dependendo da situação, ficam até com pena e pagam sua metade da conta do bar. Vale arriscar de vez em quando.

2012-08-28

Greve na CAPES: ouviu alguma coisa?

A greve na CAPES chega ao fim de fato, ainda que não esteja encerrada por decisão da assembléia de servidores. Talvez na quarta-feira, 29/08. Os servidores aceitaram a proposta de reajuste salarial do governo e agora torcem para que os outros órgãos da carreira também aceitem. 15,8% é pouco, mas é 15,8% a mais que zero. Talvez dê pra fazer uma nova prestação a partir de janeiro.

O resultado da greve foi uma vitória? Sim, parcial.O aumento será apenas no vencimento básico (o famoso VB). Nada de gratificações temporárias ou aumento das gratificações já existentes. Algumas carreiras não conseguiram o aumento todo no VB. Já as agências reguladoras (ANA, Anatel, Antaq, etc) tiveram a oferta do aumento mais a transformação em parcela única, o tão sonhado subsídio. Claro, eles querem o salário da carreira de gestão, mas o subsídio já é mais do que a maioria das carreiras sonham. É o lado bom e ruim de se viver numa democracia capitalista: sempre se pode espernear e pedir mais, ainda que o vizinho esteja pior que você. Ou se quiserem um clichê: quem não chora, não mama.

Só que o choro da carreira de Ciência e Tecnologia é, no máximo, um choramingo quase inaudível. Desses que os pais ficam na dúvida se é choro ou um outro barulho estranho que bebês fazem e que depois ficam inaceitáveis socialmente quando crescem. A greve dos servidores da CAPES nem chega a isso. A analogia melhor é a de um conhecido Gedankenexperiment: "Uma árvore cai no meio da floresta, mas não há ninguém por perto para ouvir. Ela fez som?"

Se fez, quem nos ouviu? Essencialmente, apenas bolsistas CAPES. Ouviram e ficaram receosos (e putos da vida) de possivelmente terem bolsas atrasadas. Um receio amplamente justificado porque a CAPES já tem a reputação de atrasar bolsas. A greve pioraria, afetaria essa situação? Ainda é cedo pra dizer porque a greve foi curta e o período de pagamento de bolsas, os primeiros dias úteis do mês, ainda não chegaram. Minha aposta é de que o impacto será mínimo no pagamento de bolsas. Como será mínimo em muitos outros setores. A greve será vista pelo público da CAPES como um inconveniente. Como se alguns servidores tivessem tirado férias ou estivessem afastados por duas semanas.

E nosso problema não foi adesão. Aproximadamente 100 servidores estiveram de greve. Somos 300 e tantos no total: uns 80 têm cargos comissionados, outros tanto são substitutos dos titulares dos cargos comissionados e uns outros tantos não fazem greve por diversos motivos. Nossa aproximação é de que 80% dos servidores que poderiam fazer greve, i.e., não-chefes e que estão ativos na instituição, entraram de greve.

Pretty good, right? Seria, mas apenas num mundo em que a direção da CAPES tivesse balls para querer trabalhar com pessoas que podem dizer não quando necessário e que poderiam se sentir estimuladas a trabalhar porque acham que fazem alguma diferença. Infelizmente, prefere a covardia e comodidade de trabalhadores temporários, sem carreira e que tendem a obedecer ordens cegamente e não fazer greve.

O pior é que o esquema funciona. Fica tudo meia boca, mas funciona.

2012-08-03

Qual o tamanho da sua caixa de entrada?

Tamanho é documento?
A pergunta do título é literal, nenhum double entendre. Refiro-me a caixa de entrada de email, a.k.a. inbox. Qual a capacidade de armazenamento em bytes da sua? A minha no trabalho tem incríveis 150 MB. Comentei com um colega e ele se espantou: "a minha tem só 25 MB!" Nossa conclusão foi que voltamos ao começo dos anos 00 quando eram poucos provedores que davam 100 MB de graça. Algumas pessoas até pagavam por e-mail!

Como sei que é possível que o tamanho (ao menos esse) da caixa de entrada aumente, pedi que aumentassem para eu parar de me preocupar em não ter espaço na minha caixa de entrada.

O argumento é simples: espaço de armazenagem na magnitude necessária para email é extremamente barato. O tempo que eu gasto me preocupando em apagar mensagens é muito mais caro ao contribuinte. Um mísero gigabyte, algo que caberia naquele pendrive velho que todo mundo tem, não custaria nem meio real por mês. O preço de uma coxinha e uma coca para todo um ano! A no-brainer, right? Deveriam fazer logo pra todo mundo sem perguntar e dar o problema por encerrado.

Mas a burocracia brasileira, como o idiota, sempre surpreende. Disseram que eu precisava de autorização. Autorização pra trabalhar mais facilmente, permissão para economizar o dinheiro do contribuinte!

Sei que só eu me preocupo com essas coisas e meus colegas acham mais fácil simplesmente ficar procurando mensagens para apagar, arquivar, enviar para e-mails pessoais. Por algum motivo, a incompetência de um monte de gente para perceber o óbvio, o problema trivial e já resolvido, me incomoda. Incomoda como servidor que não vê nem as pequenas coisas melhorando e como contribuinte que tem o imposto federal descontado na fonte.

É perturbador que, mesmo depois de se apontar o óbvio, nada aconteça por conta de uma regra interna criada quando Hotmail reinava. Mas não cola mais a desculpa de que será feito, que não é tão fácil. Nem o problema nem a solução são novos e não é preciso alterar nenhuma lei, decreto ou portaria.

O que me resta é fazer barulho por pouco, já que não querem que eu faça mais nada. O único lado positivo é que em breve receberei menos emails. Já estou treinando minha memória como os oradores romanos faziam para decorar toda informação que receber por telefone ou verbalmente. Torçam para eu não me confundir...

2012-07-18

Parar ou não parar?

O óbvio ululante: a opinião a seguir é estritamente pessoal.

Tempo de paralisação e greve em Brasília e na CAPES. Como nunca fui o tipo engajado, sindicalista ou esquerdista típico eu sempre debato com colegas e tento achar justificativas para paralisar por um dia ou não. Meu gut feeling é que a greve tradicional é pouco eficiente. Mas é preciso pensar o porquê, claro.

Paralisar é, em tese, uma maneira de pressionar o empregador, no caso, a administração federal que representa o contribuinte. Tenta-se mostrar que sua atividade é importante, sua mão-de-obra essencial e que, por isso, o seu trabalho merece uma remuneração melhor. A pressão serve, essencialmente, para ser notado pela administração e, principalmente, pelo público para quem você presta os serviços. Ganhar força na negociação política. Professores de universidade federais param de dar aula e milhões de estudantes não têm aula, policiais entram em greve e a população se sente insegura (na melhor das hipóteses), motoristas de ônibus param e parte da população não vai trabalhar ou estudar. E o patrão, governo ou empresa, fica mal na fita com o eleitor ou o cliente.

E se um órgão de fomento como a CAPES pára por um dia? Quem se incomoda? Quase ninguém. Ofereço três motivos para tentar explicar o porquê:

1. Parte do trabalho não é tão imediata que o atraso de um dia não possa ser compensado depois;
2. Há um número grande de servidores em cargos comissionados que não param;
3. Parte da força de trabalho nas áreas técnicas (vou chutar 20%) é de trabalhadores terceirizados.

Seria possível, talvez, superar ou minimizar esses empecilhos e ter uma greve ou paralisação eficiente? Se a opção para lutar por um melhor salário for paralisar as atividades, será necessário parar de se iludir que marchas, cartazes e foguetes na janela do ministro são suficientes para se conseguir um aumento salarial.

O primeiro motivo é provavelmente o mais fácil de contornar. Se a paralisação é de um dia, esse dia tem de contar. Bastante. Excluindo a possibilidade de atrasar o pagamento de bolsistas que dependem da bolsa para viver, o dia escolhido para uma paralisação precisa ser um que cause incômodo às instituições, pesquisadores importantes, dirigentes de universidades. Uma ação que tenha possibilidade de ser percebida por alguém de fora do órgão. Uma ação que seja vista como causada pela paralisação e não atribuída à morosidade habitual de um órgão público.

Já o segundo motivo é mais um fato a ser minimizado. Os ocupantes de cargos comissionados, além do dinheiro extra, têm, parcialmente, a responsabilidade de executar as ações de seu setor dentro do prazo, da normalidade, da forma mais eficiente possível. Receio de exoneração e senso de responsabilidade são convincentes o suficiente para fazer com que não parem. Como há, aproximadamente, um cargo comissionado para quatro servidores, 25% dos servidores, no mínimo, não deve aderir à uma paralisação. Ainda que não consigam compensar a força de trabalho dos que paralisaram as atividades, esses 25% servem para dar uma aparência de normalidade e diminuir o número dos que param. Essa aparência de normalidade é amplificada pelo terceiro motivo: a existência de servidores terceirizados para executar atividades técnicas que deveriam ser executados por servidores da carreira de Ciência e Tecnologia.

Este último motivo talvez seja o mais difícil de enfrentar. Mesmo com um quadro de servidores maior que no passado e pressão do poder judiciário para que postos de trabalhos terceirizados irregulares sejam eliminados, trabalhadores terceirizados são a regra na CAPES. Não é nem possível tentar dizer "não é bem assim". Há trabalhadores terceirizados em quase todos os setores. Muitos têm acesso a sistemas internos, incluindo de pagamento, emails corporativos, documentos com informações bancárias de terceiros, bases de dados internas. Em alguns casos, chegam a serem os responsáveis imediatos por vários programas da instituição. Somados aos servidores com cargo comissionado, tem-se uns 40-50% da força de trabalho que não irá parar as atividades. E estes terceirizados, por terem acesso e atribuições semelhantes a dos servidores, podem resolver ou minimizar problemas surgidos com a ausência dos que paralisaram e frustrar a conseqüência desejada da paralisação.

Essa situação de servidores terceirizados que não fazem greve, não entram em confronto e não questionam (em todos os casos porque não podem) sugere ao patrão uma obviedade: "aumento pra quê se funciona (quase) igual sem os camaradas que ganham mais e que podem fazer greve?" Sem considerar teorias da conspiração, a ausência de diferença entre ter servidores de carreira ou terceirizados facilmente substituíveis é o que importaria numa decisão racional sobre qual o salário mínimo possível que é possível pagar ao servidor de carreira. Professores substitutos não mantêm universidades funcionando, policiais não têm substitutos e novos motoristas de ônibus não são treinados rapidamente.

E justamente para essa situação mais difícil é que o servidor de carreira vai ter de parar de esperar e fazer sua parte. Na gíria do futebol: matar no peito, pedir a bola, chamar a responsabilidade pra si. Assumir seu papel de analista/assistente e exigir tarefas de acordo com a responsabilidade do cargo. Parar de aceitar o mais cômodo, o menos confrontacional. Lembrar aos dirigentes (na maioria colegas de carreira) que é obrigação dele não jogar dinheiro fora deixando que servidores com maior salário exerçam as mesmas funções de funcionários temporários de apoio administrativo. Valorizar o seu trabalho, o seu mérito, o seu cargo, o dinheiro do contribuinte, a sua carreira.

No fim, vale a pena paralisar com as condições atuais? Minha resposta, a partir de hoje (ontem paralisei), é provavelmente não. Paralisar não vai incomodar ninguém, não vai paralisar nada de fato, não vai sair nem no jornal local gratuito. Será um apego à uma tradição que parece não ter as condições necessárias pra funcionar. As possibilidades na luta por um salário melhor são melhorar essas condições ou achar alternativas de pressão.

2012-06-18

The heat is on



Ando considerando seriamente a opção de deixar de ser servidor público. Nem trabalhar numa temperatura agradável é possível. E não, o ar-condicionado não quebrou.  É isso (quase) todo dia. Minha proposta, obviamente não levada a sério, foi que topo ficar nessa temperatura se pude trabalhar de bermuda. Ofereci até me depilar pra viabilizar a coisa. mas parece que vou ter de ficar sofrendo. Por enquanto.

2012-06-13

Notes from my future self

Source: Amanda Rosenberg on G+




1 - Do the laundry more often. You are no longer in college. Alternatively, buy less clothes and be forced to do it frequently.
2 - Stop by the market on your way home in the evening. Once you take off your shoes, you are condemned to order food. Alternative: Go straight to the restaurant.
3 - Don't always be so blunt with people. Or be, but give them a heads up. That may be backfire and they will think you are kidding. But that is actually fine.
4 - Eat less. Not that you are ever gonna be thin, but I hope to be able to live past 80 or until Viagra stops working. Whatever comes first. (Note: I hope you are not using it already, dude.)
5 - Learn to ask favors back. It is not that you get abused by people, but it is ok to ask for help even for silly things. Think of it as a funny game with your close friends.
6 - Remember to examine your cable bill now and then and call them. They are probably not giving you the best deal. Yes, I know it sucks to wait on hold for two hours. Some things never change.
7 - Get a hobby. Maybe an old fashioned one. There is still no consensus on whether reading the news online counts as a hobby. In any case, don't bother watching TV for the news. It still is the same shit.
8 - Don't be so punctual for those long boring work meetings. No-freakin'-body is. Always remember to bring your smartphone and keep the habit of not writing anything down. Remember George Carlin: "It's all bullshit and it's bad for ya."
9 - Do some exercise. Anything. With some regularity. LOL. Just kidding. You stopped feeling guilty about it long ago.
10 - Remember to turn on the washing machine! It will take a while before these things get really smart and start doing it by themselves. And clothes still don't go from the hamper (or from your body) to the machine without some manual effort. Trust me on this one.

2012-04-26

O MPF e a reterceirização da CAPES

Uma rapidinha: o Ministério Público Federal vai investigar supostas irregularidades ocorridas no Pregão CAPES 1/2012, o pregão de contratação de terceirizados. Saiu no dia 24/04/2013 no Diário Oficial. Reproduzo a portaria:



PORTARIA N° 126, DE 19 DE ABRIL DE 2012

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República signatário, no exercício das atribuições constitucionais conferidas pelo art. 129 da Constituição Federal, e:
a) considerando o rol de atribuições elencado os arts. 127 e
129 da Constituição Federal
b) considerando a incumbência prevista no art. 6º, VII, b e
art. 7º, I, da Lei Complementar nº 75/93;
c) considerando que o objeto do presente procedimento se
insere no rol de atribuições do Ministério Público Federal;
d) considerando o disposto na Resolução nº 23, de 17 de
setembro de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público
e) considerando os elementos constantes nas presentes peças
de informação:
Converte as peças de informação autuadas sob o nº
1.16.000.000957/2012-82 em Procedimento Preparatório, tendo por
objeto, em atendimento ao contido no art. 4º da Resolução CNMP nº
23/2007, a apuração do(s) fato(s) abaixo especificados:
DESCRIÇÃO RESUMIDA DOS FATOS INVESTIGADOS:
Alegação de supostas irregularidades ocorridas no Pregão Eletrônico
nº 12012, realizado pelo CAPES, para contratação de terceirizados
para exercerem atividades do CNPq.
POSSÍVEIS RESPONSÁVEIS PELOS FATOS INVESTIGADOS: CAPES
AUTORES DA REPRESENTAÇÃO: Anônimo
Determina a publicação desta Portaria no mural de avisos da
Procuradoria da República no distrito Federal, nos termos do que
prevê o art. 7º, IV, da Resolução CNMP nº 23/2007.
Ordena, ainda, que seja comunicada a Egrégia Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão a respeito do presente ato, para
conhecimento e publicação, nos termos dos arts. 4º VI, e 7º, §2º, I e
II, da Resolução CNMP nº 23/2007.
Manda, por fim, que sejam realizados os registros de estilo
junto ao sistema de cadastramento informático.
HÉLIO FERREIRA HERINGER JÚNIOR

2012-04-17

Tem vaga na sombra?

Um assunto um tanto chato, mas polêmico, surgiu para dissonância: o número insuficiente de vagas na garagem do edifício da CAPES em Brasília. Não surpreendentemente, e como em quase qualquer prédio comercial em Brasília, há um número de vagas bastante inferior ao número de funcionários. A solução adotada foi reservar uma parcela das vagas a partir de critérios nada populares.

Essencialmente, há vagas para todos os servidores com cargos comissionados, para os que trabalham no gabinete da presidência, gestantes (se pedirem), portadores de necessidades especiais e umas poucas vagas para visitantes. As vagas que sobram, e que têm pior localização, são ocupadas por quem chegar primeiro. No final das contas, a maioria acaba estacionando no terreno vazio ao lado do prédio ou nas redondezas e pega sol na cabeça e barro no sapato antes de entrar no prédio.

Fonte: Boa e velha Wikipedia. Verbete: Parking lot.
Os que têm vaga garantida geralmente não querem perder o direito/privilégio e os que não têm vaga querem novos critérios que os incluam. Não há solução mágica nem que agrade à maioria. A atual é tolerada, mas o aumento de vagas reservadas com cargos recém criados, e conseqüente diminuição das vagas para a massa de sem-vaga-na-sombra, faz voltar a insatisfação. Seria hora, então, de rediscutir os critérios ou de fingir que a solução atual está boa? Exceto para os dinossauros que vêem o emprego público como garantidor de privilégios, uma nova distribuição de vagas na garagem deveria levar em conta o interesse da instituição e do bem estar dos seus servidores, o que não é claramente correlacionado com a nomeação para um cargo comissionado.

Claro, aí é que o bicho pega. Que diabos é o interesse da instituição? Uma maneira de analisar o interesse de um órgão público é sempre seguir o dinheiro. Essa é, implicitamente, a justificativa de haver vaga na garagem para servidores com cargo comissionado. A hora de trabalho é mais cara para o contribuinte e um estacionamento mais fácil minimiza o tempo gasto para estacionar. Menos tempo estacionando é mais tempo trabalhando para o contribuinte. No outro oposto, quanto menor a gratificação, menor a necessidade da vaga fácil. O que complica é onde colocar a linha da vaga garantida, qual o nível da gratificação mínimo para garantir a vaga?

Além do critério econômico, critérios de bem estar e legais precisam entrar também. Além de portadores de necessidades especiais, servidores com mais de 65 anos (ou 60) e gestantes poderiam ter a vaga garantida. Não são um grande número: todo mundo quer se aposentar da burocracia logo e ter filho em Brasília é para os de coragem (custo).

Os critérios de bem estar são mais palatáveis, mas o econômico não deixa de parecer cruel e de privilégio. Aí o que se precisa tentar separar é a função pública do status que se dá a esse funcionário com cargo comissionado. A função é uma maior responsabilidade de administração do patrimônio público. O maior salário é um estímulo, fator de atração e uma compensação para esses servidores. O suposto status é um resquício de tradições patriarcais que custam a acabar, mas que não estão se tornando obsoletas no mundo moderno. Basta lembrar do vídeo dos deputados suecos que têm um apartamento funcional minúsculo e lavam sua própria louça. Ou, no Brasil,... xapralá. Não vou encontrar nada remotamente similar.

Ainda não convencido do critério econômico? Nem eu. O gosto amargo de alguns terem vaga porque foram indicados a um cargo não sai fácil. Deve ser porque estamos numa burocracia em que há secretárias que tratam de assuntos particulares de chefes e servem café. Em que existem pessoas para apertar o botão do elevador para outras. Em que ministros usam funcionários públicos como motorista particular da esposa. Em que cargos dependem apenas de indicação e, raramente, dependem de mérito por critérios explícitos. Em que há uma estabilidade que protege o servidor improdutivo e não estimula o produtivo. Enfim, uma longa tradição de privilégios, corrupção, injustiça. Nesse contexto todo, a vaga garantida na sombra é o que diz em inglês a expressão add insult to injury.


2012-04-16

O pior negócio do universo?

A reterceirização da CAPES provavelmente acontecerá em breve. O pregão eletrônico para um novo contrato está em fase de adjudicação e, não havendo problemas como recursos administrativos ou judiciais que cancelem ou alterem a habilitação no pregão, a empresa Cidade Serviços e Mão de Obra Especializada LTDA deve ser a próxima prestadora de serviços terceirizados para a CAPES. O valor mensal dos serviços para CAPES e CNPq pode chegar R$ 1.126.897,74 por mês ou R$ 13.522.772,90 ao ano. Digo "pode chegar" porque a forma de contratação é a de registro de preços, que permite que o órgão contrate apenas a quantidade necessária de mão de obra, não necessariamente o máximo.

Mas como um contrato de mais de 13 milhões ao ano pode ser um mau negócio? Simples: quando o percentual de lucro é de 0,05% (cinco centésimos percentuais). Não há erro em zeros ou em vírgulas. A proposta da Cidade Serviços e Mão de Obra Especializada LTDA  com esse percentual de lucro foi aceita e está disponível para consulta no site Comprasnet. Explico um pouco.

Um contrato de terceirização é relativamente simples. Empresa X precisa de um serviço, mas não quer contratar diretamente a mão de obra. Contrata então uma empresa Y que fornece a mão de obra para trabalhar na empresa X, que não terá gastos para selecionar, contratar e administrar pessoal. A empresa Y é que paga o salário, benefícios, encargos, impostos e cobra um valor da empresa X por esse serviço de administração. Esse valor de cobrado pela empresa Y para a administração da mão de obra é o seu lucro.

E quanto seria esse lucro? Um exemplo: O salário do funcionário é R$ 1.000,00. Com os encargos sociais e trabalhistas mais benefícios, o funcionário custa R$ 1.850,00 à empresa. O lucro é calculado sobre esses R$ 1.850,00. (O custo final ainda inclui os impostos  e, portanto, o lucro é um percentual ainda menor do total cobrado por funcionário.) Se a empresa trabalhar com um lucro de 5%, que pode ser considerado razoável e não exagerado, lucra R$ 92,50 por funcionário. Com um lucro de 0,5%, dez vezes menor e similar ao rendimento da caderneta de poupança, lucra R$ 9,25 por funcionário. Um lucro de 0,05%, percentual proposto pela Cidade Serviços e Mão de Obra Especializada LTDA e aprovado pela CAPES, daria um lucro de R$ 0,925 por funcionário.

A pergunta de 13 milhões de reais então é: como é possível a uma empresa sobreviver com um lucro de 0,05%? Ou ainda: o que motiva uma empresa a disputar um contrato com um percentual de lucro de 0,05%?

2012-03-23

Reunir ou não reunir?

Um dos hábitos mais arraigados do burocrata é a reunião de trabalho. Se é interna e entre um tomador de decisão e um (ou mais) não-tomador de decisão chama-se despacho. Quando é com convidados externos ou funcionário de outros setor, é reunião. Pra simplificar, chamarei tudo de reunião.

A reunião é uma invenção pré-escrita (para não dizer pré-histórica). Antes da repartição pública, o chefe de tribo neandertal se reunia com os não-chefes para decidir como seria a caça ao mamute. Talvez não houvesse o cafezinho servido pela secretária ou os infindáveis documentos para assinar, mas o princípio era o mesmo.

O princípio da reunião de trabalho parece, em tese, positivo: um método ágil para discutir, resolver problemas, tomar decisões em conjunto. O que, às vezes, deve ocorrer. Digo "às vezes" e "deve" porque não me recordo de ter presenciado uma que fosse ágil, mas isso certamente é meu confirmation bias. Tentando retirar um pouco desse bias, ainda assim vou assumir que há uma parcela significativa de reuniões maçantes, longas e inúteis. São elas que tornaram um lugar comum dizer "detesto reunião".

Claro que se eu soubesse como reuniões de trabalho podem ficar legais poderia estar rico vendendo livros picaretas do tipo "Como fazer reuniões eficientes". Mas minha misantropia eventual e desgosto pela sensação de perda de tempo causada pelo outro me faz pensar mais em meios de evitar as reuniões, não em como torná-las melhores. (Na verdade, não tenho muito a reclamar porque essa mesma misantropia e ausência de poder burocrático não me fazem um participante recorrente de reuniões.) Se milhares de anos de civilização ainda não aperfeiçoaram o processo, a tarefa me parece fútil.

Voltando a como evitar reuniões, especialmente para assuntos não urgentes, me ocorrem os meios mais óbvios: e-mail, email, Email, E-mail. A tecnologia não é exatamente recente ou inovadora. Na pior das hipóteses, a maioria dos adultos (usuários de internet) no Brasil começou a usá-la por volta do ano 2000 ou antes (e alguns ainda mantém suas contas hotmail). Para reuniões que não envolvem nenhum assunto sigiloso (ainda que e-mail possa ser seguro), a tecnologia é adequada e confiável, só ainda não tão popular quanto o blablablá regado a água, café e biscoitos.

Sem medo de ser parcial e temendo falar o óbvio ululante, listo apenas as desvantagens de utilizar a escrita como substituta da reunião: 1) a escrita é mais lenta que a fala para trocar informação; e 2) é uma tecnologia mais difícil de dominar (fala é 100% natural). A lentidão da escrita não tem lá uma boa solução e vamos aceitá-la como fato da vida, especialmente para aqueles que digitam com dois ou três dedos e gostam de revisar o que escreveram. Já a dificuldade em dominar a escrita (whatever that means) parece ser semelhante à não ser "bom de conversa". Não pegando os extremos de escritor ou de líder político, a maioria das pessoas com 11 ou mais anos de educação formal fica próximo ao "Tive um sonho que era Machado de Assis" e "Oxalá fosse eu um Martin Luther King". Em qualquer um dos casos, a comunicação acontece, ainda que com algumas idas e vindas extras e eventuais desentendimentos.

Ainda com esses e outros problemas, quase sempre prefiro o e-mail à boa, velha e sobrevalorizada interação humana com hora marcada. Talvez talvez a idéia ainda precise de alguns milênios para pegar. Ou que surja um Homo burocraticus 2.0.

2012-03-15

A reterceirização da CAPES: "There is hope, but not for us"

Para terminar a série sobre a terceirização da CAPES, uma tabela e um não-tão-curto blablablá serão suficientes (espero). A tabela mostra os salários iniciais da carreira de Auxiliar e Assistente em Ciência e Tecnologia atuais e os salários mínimos (na prática, muito provavelmente serão os salários reais) estipulados no edital (modificado hoje) de terceirização da CAPES e CNPq . Os salários não representam o custo total do trabalhador para o contribuinte.


Categoria Salário bruto (R$)
Auxiliar em C&T                1.890,37
Assistente em C&T                3.163,28
Auxiliar Administrativo - I                   669,66
Auxiliar Administrativo - II                1.416,77
Auxiliar Administrativo - III                2.453,85

A tabela pode assustar os não-burocratas com os salários: um emprego público com exigência de nível médio com salário (inicial) de mais de 3 mil reais! Mas não é tão absurdo para Brasília, que é tão cara quanto Rio ou São Paulo e tem várias carreira públicas com salários melhores. Os cargos de Auxiliar Administrativo também tem salários razoáveis, não exagerados. Mesmo os salários brutos sendo menores, o custo efetivo da administração acaba sendo bem maior, às vezes o dobro, porque não estão incluídos os impostos, férias, 13o, custo da substituição do posto de trabalho, lucro da empresa. Também o custo do servidor de carreira não é apenas o seu salário: INSS, aposentadoria, licenças prolongadas com vencimentos integrais, adicionais conquistados na juustiça, adicionais por cargos comissionados, rotatividade dos servidores. Certamente o custo do Auxiliar Administrativo I é menor que o do Auxiliar em C&T, mas esses são apenas 5% dos cargos do edital. Para a quase totalidade, a diferença não será suficiente para causar rombos ou aliviar as contas do governo.

Com custos similares, surge a dúvida: seria melhor terceirizar apoio administrativo para que os servidores se concentrem em outras tarefas? Ou manter as atividades de apoio administrativo como privativas dos servidores de carreira?

É possível que sim, mas nem a Lei da Carreira de C&T nem a legislação atual sobre terceirização no Executivo Federal permitem atualmente. Essa vedação seria, então, um anacronismo da legislação? Não necessariamente. Já mostrei num post anterior que outras carreiras incluem apoio administrativo na lista de atividades a serem desempenhadas por servidores de carreira. Provavelmente não por acaso: o que se está chamando de apoio administrativo inclui a manipulação de informações por vezes sigilosas como CPF de terceiros, informações bancárias, identidade de pareceristas anônimos, informações sobre processos de tomada de conta e informações médicas de servidores.
 
Claro, não há, a priori, como afirmar que a informação sigilosa está mais protegida se manipulada apenas por servidores. Pode-se, no entanto, assumir que o servidor de carreira tem mais a perder se cometer uma falta deste tipo: além de sanções cíveis e penais, sua carreira como servidor público será afetada. E pode-se também assumir que um servidor público quer uma carreira sem problemas. Quer a estabilidade, a chance de ir para uma carreira melhor, de assumir cargos comissionados e uma aposentadoria integral (ou quase).

Por fim, minha última suposição é de que o servidor de carreira que se importa minimamente com o que faz quer respeito ao seu trabalho, tanto o interessante quanto o entediante. Perceber que pode ser substituído por funcionários que não demonstraram competência prévia (o concurso público) para desempenhar funções similares à sua é frustrante, desestimulante, desrespeitoso.

Presenciar toda essa situação continuar inalterada (e indiscutida) é que me fez lembrar da frase atribuída à Kafka: "There is hope, but not for us."

2012-03-08

A reterceirização da CAPES: o que farão exatamente?

Nos posts anteriores (parte 1, parte 2, parte 3) sobre o novo edital para contratação de mão-de-obra para apoio administrativo na CAPES e CNPq, mostrei que a justificativa para contratação não se sustenta: 1) serviços de apoio administrativo não são terceirizáveis (Decreto 2.271/97 e Lei 8.691/93); e 2) os cargos de apoio administrativo do edital não correspondem em requisitos de escolaridade ao cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia (em extinção) em mais de 95% das vagas. A única possibilidade restante para salvar a justificativa do edital é a de que as atribuições dos cargos sejam equivalentes, ainda que o requisito de escolaridade seja diferente (forçando a amizade, eu sei).

Aqui a comparação começa a ficar como o discurso da burocracia: turva. Quais as atribuições dos Auxiliares em Ciência e Tecnologia? Como se diz em juridiquês, o legislador parece ter sido preguiçoso:

"Art. 11. A Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia é destinada a servidores habilitados a exercer atividades de apoio à direção, coordenação, organização, planejamento, controle e avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de Ciência e Tecnologia, bem como toda atividade de suporte administrativo dos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta lei." - Lei 8.691/93

No entanto, não há definição separada de atribuições para analistas, assistentes e auxiliares, diferentemente do que acontece em carreiras como, por exemplo, a do Banco Central, do Plano Geral de Cargos do poder Executivo (PGPE) e INEP. O mais próximo de uma distinção de tarefas é o detalhamento dos requisitos dos analistas para a progressão funcional:

"Art 13. São pré-requisitos para ingresso e progressão nas classes do cargo de Analista em Ciência e Tecnologia, além do 3º grau completo, os seguintes:
[...]
        II - Analista em Ciência e Tecnologia Pleno 3:
[...]
        b) ter realizado, de forma independente, trabalhos interdisciplinares ou sistemas de suporte relevantes para o apoio científico e tecnológico, consubstanciados por desenvolvimento de sistemas de infra-estrutura, elaboração ou coordenação de planos, programas, projetos, estudos específicos de divulgação nacional e outros meios aprovados pelo Conselho referido no art. 16;" - Lei Lei 8.691/93


Para os cargos de assistente e auxiliar, os requisitos para progressão funcional são apenas experiência no cargo contada em anos. Isso significa que, independente do cargo, todos os servidores devem desempenhar as mesmas funções? Idealmente não, mas é o que muitas vezes acontece, como já discuti no nascimento do blog. Mas não é impossível imaginar um cenário em que gestores responsáveis com o dinheiro do contribuinte atribuam tarefas de suporte administrativo a assistentes e tarefas de maior complexidade intelectual a analistas. Ainda assim, analistas provavelmente ainda executariam tarefas de apoio administrativo de vez em quando. C'est la vie.

Já as atribuições dos Auxiliares Administrativos no edital são detalhadas e divididas por nível. A lista é longa e pode ser consultada aqui. Alguns poucos exemplos mostram que as atribuições são, de fato, de suporte administrativo (que são de responsabilidade legal do servidor de carreira):

  • Numerar e controlar documentos;
  • Efetuar levantamentos diversos, quando solicitado;
  • Operar máquinas simples de reprodução e digitalização de documentos, telefone e fac-símile e outros;
  • Organizar arquivos, sob supervisão;
  • Auxiliar nos procedimentos para solicitações de viagens - passagens e diárias, nacionais e internacionais;
  • Autuar, protocolar processos e documentos e operacionalizar sistema de protocolo e arquivo;
  • Controlar a entrada e saída de bens patrimoniais e equipamentos, fazendo o lançamento das movimentações em sistemas próprios, sob supervisão;
  • Elaborar, transcrever, conferir e/ou formatar relatórios, planilhas, memorandos, ofícios e demais correspondências, de acordo com os dados fornecidos pelos CONTRATANTES;
  • Acompanhar, registrar e divulgar a publicação de atos normativos, bem como sua validade, relacionados à área de atuação;
  • Prestar auxílio em reuniões internas, compilando e transcrevendo os assuntos tratados;
  • Formatar documentos elaborados pelos servidores, auxiliando-os no que for necessário;
  • Redigir e arquivar correspondências e documentos de rotina. -  Retirado do Termo de Referência do edital 1/2012, UASG 154003
Como também as atribuições dos auxiliares administrativos a serem contratados entram em conflito com a dos servidores, façamos o exercício de imaginar um mundo possível que reúna todas as condições para justificar adequadamente a contratação pretendida do edital:

  1. A Lei da Carreira de Ciência e Tecnologia não menciona "suporte administrativo" como atividade dos servidores permanentes;
  2. O Decreto que regulamenta a terceirização no Executivo Federal inclui suporte administrativo na lista de atividades terceirizáveis;
  3. A carreira de Assistente em Ciência e Tecnologia está extinta ou em extinção.
Esse mundo alternativo pode ser até mais interessante que o nosso, mas o lamentável, para os gestores da CAPES, é que não estamos nele. Simplesmente nomear um cargo como "Auxiliar Administrativo" e compará-lo ao cargo de "Auxiliar em C&T" não tem o efeito mágico de alterar a realidade. Mas terá um custo, que discuto no próximo post. Estamos quase lá...

2012-03-07

A reterceirização da CAPES: os super-auxiliares administrativos

Nos posts anteriores sobre a reterceirização da CAPES vêm ficando claro que uma nova contratação para serviços terceirizados só poderia se caracterizar como sendo de serviços acessórios, instrumentais, complementares e que não sejam privativos a servidores público. Estes tipos de serviços seriam, em tese, terceirizáveis (artigo 1º do Decreto 2.271/97), e por isso, a CAPES e o CNPq poderiam contratar empresa para prestar serviços de apoio administrativo.

O problema é que serviços de apoio administrativo não estão na lista de serviços tercerizáveis e são privativos dos servidores da carreira de Ciência e Tecnologia (Decreto 2.271/97 e artigo 11 da Lei 8.691/93). A solução é a brecha que o Decreto 2.271/97 deixa para funções exercidas por cargos em extinção, no caso, o cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia. Havendo equivalência entre os requisitos e atribuições dos cargos de Auxiliar em C&T os dos cargos de Auxiliar Administrativo do contrato de terceirização, é só correr pro abraço.

Por sorte, não estamos no melhor dos mundos possíveis para os dirigentes da CAPES que desejam que a contratação aconteça: a equivalência nos requisitos de escolaridade só existe para menos de 95% das vagas a serem contratadas (item 2.5 do Termo de Referência). Explico ad nauseam.

O requisito de escolaridade/experiência para o cargo de Auxiliar em C&T é:

"Art. 15. São pré-requisitos para ingresso e progressão nas classes do cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia, além do 1º grau completo, os seguintes:
I - Auxiliar 2: ter, pelo menos, seis anos de experiência na execução de tarefas específicas inerentes à classe;
II - Auxiliar 1: ter conhecimentos específicos inerentes à classe." - Lei 8.691/93 , grifo meu.

Já os cargos de Auxiliar Administrativo do edital exigem:

"[...]
Os profissionais referentes à atividade de “AUXILIAR ADMINISTRATIVO” serão divididos em 03 (três) categorias: “NÍVEL I”; “NÍVEL II”; e “NÍVEL III”. Essas categorias foram definidas de acordo com a complexidade das atribuições.
3.1.1.1.      NÍVEL I
I - Qualificação mínima:
a)  Ensino Fundamental Completo;

[...]
3.1.1.2   NÍVEL II
I - Qualificação mínima:
a) Ensino Médio Completo;
[...]
3.1.1.3 NÍVEL III
I - Qualificação mínima:
a) Ensino Superior Incompleto;" - Termo de Referência do Edital do Pregão Eletrônico 1/2012, UASG 154003, grifo meu


Comparando as exigências do edital com as exigências do cargo de auxiliar em C&T, fica mais claro que o sol de Brasília que apenas o cargo de Auxiliar Administrativo I têm equivalência de escolaridade ao cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia. E esses cargos são menos de 5% do total de cargos licitados (10 em 231). Em outras palavras: mais de 95% do quantitativo de cargos do edital exige, ao menos, ensino médio completo, e o cargo de nível III, que representa 73% do número de vagas, exige nível superior incompleto, o que é mais do que a exigência de escolaridade para o cargo de Assistente em C&T (artigo 14 da Lei 8691/93).

Não havendo equivalência de escolaridade entre o cargo de auxiliar em C&T e 95% das vagas do edital de terceirização (auxiliar administrativo nível  II e III), como poderia se dar esta equivalência? Nas atribuições?

Infelizmente a série vai além de uma trilogia...

2012-03-06

A reterceirização da CAPES: rationale meia boca

No post anterior, apresentei a situação atual da mão-de-obra terceirizada para apoio administrativo na CAPES e a nova licitação para o mesmo tipo de contratação.

Esta nova licitação tem o objetivo de contratar, via sistema de registro de preços, serviço de apoio administrativo para a CAPES e o CNPq e serviços de ascensorista (não é piada), carregadores, encarregado-geral e fiscal predial apenas para a CAPES. Minha análise será só dos cargos de auxiliar administrativo, mas a justificativa da contratação para todos os cargos é descrita da seguinte forma:

"2.      JUSTIFICATIVA
2.1.            Os serviços terceirizados demandados destinam-se à realização de atividades materiais administrativas, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem a área de competência legal do Órgão, conforme dispõe o Decreto nº 2.271/97, necessários ao bom funcionamento da CAPES e do CNPQ, e não inerentes às atribuições de cargos de seu quadro de servidores.
2.2.            A execução dos serviços em tela também visa suprir às necessidades de desenvolvimento das funções auxiliares no âmbito das atividades da CAPES e do CNPQ, e, ao mesmo tempo, os serviços objeto deste instrumento, consistirão [sic] numa solução de otimização a implementação das atividades finalísticas." - Termo de Referência do Pregão Eletrônico 1/2012, UASG 154003

O item 2.1 do edital (acima) afirma que as atividades a serem contratadas seriam instrumentais ou complementares às da CAPES e CNPq, em conformidade com o decreto 2.271/97. Não seriam, portanto, atividades inerentes às atribuições dos cargos que compõe o seus quadros de servidores. Para economizar o click do leitor, reproduzo o que o decreto 2.271/97 lista como atividades terceirizáveis:

"Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
        § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
        § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal." - Decreto 2.271/97

A lista de atividades do Art. 1º do decreto não inclui nada similar a apoio/auxílio administrativo. E não parece que é uma omissão aleatória (nem o serviço público seria tão lento para publicar uma retificação de um decreto de 1997). Recordem-se que as funções de apoio administrativo são mencionadas explicitamente no artigo 11 da Lei 8691/93 (lei da Carreira de Ciência e Tecnologia) como atribuição de servidores da carreira:

"Art. 11. A Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia é destinada a servidores habilitados a exercer atividades de apoio à direção, coordenação, organização, planejamento, controle e avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de Ciência e Tecnologia, bem como toda atividade de suporte administrativo dos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta lei." - Lei 8.691 de 28 de julho de 1993, grifo meu.

Outras carreiras de órgãos como FIOCRUZ, INMETRO, IBGE e INPI (Lei 11.355/2006) também incluem atividades administrativas, em vários níveis e de acordo com o cargo, entre atribuições dos servidores de carreira. Se as atividades de apoio/auxílio administrativo não podem ser terceirizadas, uma solução possível é usar a brecha que o §2º do decreto permite: "[...] ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal." No Termo de Referência do edital, essa exceção é utilizada e apresentada num único "precedente jurisprudencial" (nenhum outro exemplo é citado):

"2.1 Nesse sentido, em demais precedentes jurisprudenciais, dentre as quais podemos citar a orientação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG em Nota Informativa n.º 168, de 17 de março de 2011, ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio:
'11. De saída, informo que os cargos de nível fundamental estão em extinção em toda a Administração Pública Federal, por esse motivo deixo de examinar a proposta de auxiliares administrativos.
[...]
39. ... Parece claro que não haveria nenhuma limitação para a terceirização dos casos em que as atribuições do ICMBio guardam fácil similitude com as atribuições do cargo de Auxiliar Administrativo, uma vez que esse tipo de cargo está em extinção em toda a administração pública federal.” (grifamos).' " - Termo de Referência do Pregão Eletrônico 1/2012, UASG 154003

De fato, a carreira de auxiliar está em extinção na CAPES e no serviço público. Segundo dados do Portal da Transparência de fevereiro de 2012, existem apenas três auxiliares em Ciência e Tecnologia em exercício na CAPES. A pergunta óbvia a ser feita é então: os requisitos e atribuições dos cargos de Auxiliar Administrativo do edital correspondem aos do cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia?

Veremos no próximo capítulo...

2012-03-05

A reterceirização da CAPES: preliminares


A CAPES, como muitos órgãos do governo federal, sofreu com a terceirização excessiva no passado recente. O concurso público de 2008 aliviou um pouco a situação e foi possível, em 2009 e 2010, diminuir o número de funcionários terceirizados que atuavam em funções que deveriam ser exclusivas para servidores de carreira.

Mas a tendência de diminuição da terceirização não durou muito. Em 2011, o número de funcionários terceirizados na CAPES voltou a aumentar. Também estagiários, raros em 2009 e 2010, foram contratados de baciada. A justificativa é tediosamente previsível: a demanda de trabalho aumentou, não foi autorizado novo concurso e mais funcionários são necessários para que tudo continue funcionando. Bolsistas precisam receber, programas e eventos precisam ser financiados, novos programas continuam a surgir e por aí vai. Esses funcionários terceirizados seriam contratados para apoio/suporte administrativo, não para exercer funções típicas e privativas de servidores de carreira. No papel, claro. Na prática, funcionários terceirizados são, em muitos casos, os principais executores de programas de fomento e concessão de bolsas de estudo, exercendo tarefas como (lista não exaustiva):

- Preparo de documentação para liberação de recursos financeiros a pesquisadores;
- Operação de sistemas internos utilizados para pagamento de bolsistas. Por vezes estas permissões são as mesmas dos servidores, mas utilizadas em atividades de conferência para pagamento;
- Redação de ofícios e memorandos para serem assinados por servidores comissionados;
- Redação de pareceres técnicos expositivos, também chamados de notas técnicas, para expor problemas a serem avaliados e decididos por servidores com cargo comissionado;
- Acesso e instrução de processos administrativos com pareceres ad hoc recomendando ou não a concessão de bolsas e projetos de pesquisa;
- Acesso total a e-mails institucionais (emails de programas da CAPES) tanto para leitura quanto para envio de mensagens;
- Atendimento pessoal a pesquisadores e bolsistas na sede da Fundação CAPES;
- Recepção de documentos nas áreas técnicas e, rotineiramente, anexação destes documentos a processos administrativos;
- Preparação de levantamentos de dados solicitados pelas gerências internas da CAPES;
- Inserção e manutenção de bases de dados de bolsistas e projetos de pesquisa tanto em sistemas internos quanto em planilhas (sim, planilhas de Excel mesmo...).

Estas tarefas, de maior ou menor complexidade e responsabilidade, podem ser classificadas, na maioria, como tarefas de suporte/apoio/auxílio administrativo. Algumas são peculiares à agências de fomento como a CAPES, outras corriqueiras em toda a administração pública. Ainda que nem todas precisem ser realizadas por analistas, idealmente, deveriam ser executadas por servidores de carreira. Ao menos é o que diz a lei que cria e regula a Carreira de Ciência e Tecnologia:
  
"Art. 11. A Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia é destinada a servidores habilitados a exercer atividades de apoio à direção, coordenação, organização, planejamento, controle e avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de Ciência e Tecnologia, bem como toda atividade de suporte administrativo dos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta lei." - Lei 8.691 de 28 de julho de 1993, grifo meu.

Mas isso tudo é assunto velho e que vai ser resolvido com contratação de novos servidores para a CAPES num futuro próximo, certo?

Dream on. Saiu hoje, 5/03/2012, no Diário Oficial da União, o aviso de licitação para uma nova contratação de serviços de auxiliar admnistrativo para a CAPES e CNPq. Apenas para a CAPES serão até 181 vagas de apoio administrativo em três categorias.  O Termo de Referência do edital pode ser lido no site Comprasnet*.

Nos próximos posts, comentarei os detalhes desta licitação, em especial a justificativa para a contratação e o custo dos postos de trabalho.

To be continued...

_________________________________
* Não há link direto (a relação de licitações está desatualizada no site da CAPES em 05/03/2012), mas o acesso aos arquivos é livre. Eis o passo-a-passo for dummies:

1 - Vá ao site comprasnet.gov.br e selecione o menu "Acesso Livre">"Consultas">"Aviso de Licitações";
2 - Preencha o campo "Número da Licitação" com "12012" (sem as aspas);
3 - Clique em "Selecionar" no campo "Cód. UASG (Unid.de Compra)" e insira os números "154003" no campo "Código da UASG (Unid. de Compra)";
4 -  Clique em "OK" no pé da página;
5 - A página seguinte mostrará alguns detalhes da licitação. Clique no link com o rótulo "Itens e download" no pé da página;
6 - Mais uma página de detalhes é aberta. Clique no link com rótulo "Download" no pé da página;
7 - Uma janela é aberta e é necessária a digitação de um captcha para você confirmar que é um humano (com muita paciência) que está tentando baixar os arquivos;
8 - Após acertar o captcha e clicar em "Confirmar", um arquivo .zip com todos os documentos estará pronto para ser baixado.

2012-02-29

O dicionário, o MPF e a realidade

A imprensa noticiou recentemente (e. g. Folha.com e Estadão) que o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação para retirar de circulação o dicionário Houaiss. O motivo: o verbete 'cigano' lista acepções que seriam "pejorativas e preconceituosas" e, portanto, praticaria racismo contra ciganos.

Começo com uma admissão de ignorância: não sabia que cigano era sinônimo para "aquele que trapaceia, velhaco". Provavelmente porque nunca morei em lugares com qualquer quantidade visível de ciganos e porque não tenho qualquer interesse pelo tema. Difícil imaginar uma situação em que procuraria a palavra 'cigano' no dicionário. Mas se eu procurasse, o que aconteceria? Segundo o procurador Cléber Eustáquio Neves, segundo a citação do Estadão, eu poderia virar um pessoa preconceituosa instantaneamente:

"Trata-se de um dicionário. Ninguém duvida da veracidade do que ali encontra. Sequer questiona. Aquele sentido, extremamente pejorativo, será internalizado, levando à formação de uma postura interna pré-concebida em relação a uma etnia que deveria, por força de lei, ser respeitada."

Mas voltemos atrás um pouco. Imagino que seja óbvio para (quase) qualquer pessoa que um dicionário apenas registra significados que as palavras costumam ter. É um registro imperfeito, parcial, uma aproximação tanto das palavras que os falantes usam quanto dos significados que os falantes de português têm das palavras. Palavras e significados não surgem de um dicionário, apenas ficam registrados nele. Um dicionário decente, e o Houaiss tem boa reputação, não é uma ferramenta para emitir juízo moral sobre as palavras da língua ou seu uso. Palavras e seus significados são incluídos, essencialmente, com base na freqüência de uso acumulado, especialmente do uso escrito culto da língua. Justamente por ser um registro de uso acumulado, esse registro acaba sendo histórico: palavras geralmente são acrescidas a dicionários, quase nunca retiradas. No máximo indica-se que é uma palavra ou uma acepção arcaica, em desuso. Um dicionário é, em essência, como uma lista telefônica absurda que acumulasse todos os telefones e endereços das pessoas durante a sua vida e que não eliminasse nem os nomes das pessoas que já morreram.

No entanto, para o procurador Neves, o dicionário é muito mais que as quase-obviedades que descrevi. É um registro capaz de alterar a realidade e o cérebro daquele que ousar consultá-lo porque "Ninguém duvida da veracidade do que ali encontra. Sequer questiona." De fato, não há porquê duvidar/questionar um bom dicionário: alguém vai contestar o que zwingliano significa? O suposto efeito da leitura do dicionário é que seria possivelmente devastador: "Aquele sentido, extremamente pejorativo, será internalizado, levando à formação de uma postura interna pré-concebida em relação a uma etnia [...]"


A suposta internalização de sentido tem dois aspectos a serem analisados: o da plausibilidade e o da realidade.

É plausível/possível que a leitura de uma obra gere preconceito? Sem dúvida. A escrita é uma ferramenta conhecida para espalhar preconceitos: Bíblia, Alcorão, Mein Kampf, The Bell Curve. A diferença é que essas obras são mais complexas que um dicionário, possuem uma retórica mínima e, especialmente no caso dos textos religiosos, uma grande legião de seguidores e doutrinadores que se dedicam a espalhar os preconceitos que elas sugerem ou podem sugerir. Já o dicionário é uma lista quase inarticulada de itens e com pouquíssimos fãs. Ainda que seja possível, não me parece corriqueiro que mesmo o mais fanático dos normativistas suponha que o dicionário seja a autoridade absoluta que o procurador Neves sugere.

E a realidade? As notas na imprensa não mencionam, e imagino que o texto da ação do MPF também não apresente, qualquer evidência de que o dicionário seja esse bicho papão inoculador de preconceitos. Qual a evidência concreta de que a leitura de um verbete de dicionário gera preconceito? Qual a evidência de que a supressão de acepções de um verbete diminua o preconceito por um grupo?

Provavelmente nenhuma em ambos os casos, o que não surpreende. Operadores do direito costumeiramente usam apenas da argumentação para sustentar uma posição e julgam que é o suficiente. Felizmente a realidade costuma ser mais interessante e surpreendente que a masturbação intelectual pura. O lamentável é o gasto de recursos do contribuinte em ações inúteis na justiça. Não é preciso nem ter estudado Direito pra imaginar umas causas muito melhores pra um servidor do estado que ganha mais de 20 mil reais mensais defender.

2012-02-24

O iPad e a preguiça do burocrata

A Folha de São Paulo de hoje deu a notícia da aquisição, pela presidência da república, de tablets com especificações que tornariam o iPad o único concorrente possível na licitação. O problema é, obviamente, a preferência pela marca para um produto que não é o único no mercado, o que seria ilegal. A reportagem da Folha aponta que as especificações do edital da presidência da república são uma cópia das especificações do iPad como estão no site da Apple, inclusive com a mesma ordem de apresentação. Até o suporte para línguas como cherokee e tibetano é exigido!

Como a reportagem da Folha, mesmo na versão para assinantes, é vaga nos detalhes sórdidos, fui atrás do edital completo para verificar as informações. Minha experiência em um setor de licitação de um órgão do executivo sugeria que a informação era plausível e provável. O edital é fácil de achar tanto no Comprasnet quanto no site da presidência (congrats pela transparência).

De fato, a reportagem da Folha estava correta. As especificações são uma cópia verbatim do site da Apple. Compare você mesmo: especificações da Apple vs edital (páginas 15-18). O pregão ocorreu, foi homologado e há até uma proposta da empresa vencedora (foto no final do post). Só não parece que a aquisição ocorreu. não encontrei publicação de extrato de contrato no Diário Oficial e o gasto não consta no Portal da Transparência para 2011 (consultas para 2012 ainda não estão disponíveis).

Mas fiquei ainda mais curioso com o edital, especialmente a justificativa para a aquisição dos tablets. Não discuto o mérito da necessidade da presidência da república ter tablets: são computadores e nem precisam mais de uma justificativa. Burocrata sem computador é como "circo sem palhaço." Mas também sei que essas justificativas podem ser verdadeiras peças cômicas, um blablablá inútil, mal escrito e que ninguém lê. Ou quase.

Uma sentença na justificativa me chamou a atenção:

 "Do ponto de vista da administração pública, os ganhos utilizando esta proposta tecnológica são variados, podendo-se destacar alguns como: liberdade de movimento, processamento ao alcance das mãos, além da simplicidade no uso." (grifo meu)

"Processamento ao alcance das mãos?" Não soou burocratês típico, mas talvez a parte do anúncio do produto. Meu passadode  professor e um hábito nerd incorrigível me lembraram da velha máxima: "Google is your friend."

Googlei e caí direto num artigo intitulado "Tablets nas organizações", de autoria de Renato Vilela Barbosa e datado de 9/2/2011.

A sentença suspeita do edital é cópia quase ipsis litteris do artigo. Destaquei apenas as diferenças mínimas entre os dois trechos.

"Do ponto de vista das empresas os ganhos utilizando esta proposta de dispositivo são variados, mas podemos destacar alguns como: liberdade de movimento, processamento ao alcance das mãos, além da simplicidade no uso." - Artigo "Tablets nas organizações"

"Do ponto de vista da administração pública, os ganhos utilizando esta proposta tecnológica são variados, podendo-se destacar alguns como: liberdade de movimento, processamento ao alcance das mãos, além da simplicidade no uso." - Termo de referência do pregão eletrônico 53/2011 da secretaria geral da presidência da república (pág. 15)

Ah, só uma sentença... um descuido, talvez. Não mesmo:

"[...] os tablets podem exercer qualquer atividade projetada para ser executada por um thin-client, como email, elaboração de documentos, apresentações, ferramentas coorporativas entre outras. Vale destacar que grande parte das aplicações das empresas são desenvolvidas para web intranet, o que tornam os aplicativos praticamente adaptados a esta nova tecnologia." - Artigo "Tablets nas organizações"

"Os tablets podem exercer qualquer atividade projetada para ser executada por um thin-client, como email, elaboração de documentos, apresentações, ferramentas coorporativas entre outras. Vale destacar que grande parte das aplicações dos órgãos públicos e empresas, hoje em dia, são desenvolvidas para web intranet, o que tornam os aplicativos praticamente adaptados a esta nova
tecnologia."
- Termo de referência do pregão eletrônico 53/2011 da secretaria geral da presidência da república (pág. 15)

Não surpreendentemente, o burocrata que elaborou o termo de referência parece ter sido preguiçoso, no mínimo. Além de não conseguir elaborar uma justificativa no mínimo parafraseando o artigo de Renato Vilela Barbosa, também não citou a fonte ou desenvolveu minimamente o que chupinhou.

Ainda que não tão grave quanto a cópia das especificações do iPad, que efetivamente direcionaram a licitação, a cópia de uma justificativa trivial é mais uma evidência da relação pobre que alguns burocratas têm com a autoria. Copiar parece ser a norma. A exceção? Gastar uma meia hora pensando ou se dar ao trabalho de citar a fonte.

(Um/a colega me indicou a reportagem da Folha. Como não tive autorização prévia, não o/a cito, mas farei quando e se ele/ela quiser.)