2012-01-20

Sobre o trabalho na CAPES


Um parágrafo do artigo de Ronaldo Mota para o Jornal da Ciência de 18/01/2012 sobre concursos públicos tocou numa das minhas obsessões:

“[...]
O que presenciamos muitas vezes é um cenário de adolescência prolongada, onde parte significativa dos formandos e formados, que deveriam dar espaços às inúmeras oportunidades de expressar seus talentos e transformar suas ideias em empresas, finda sustentando uma indústria de cursos preparatórios para concursos públicos. Na prática, somente um percentual mínimo logra aprovação, em geral no Executivo em carreiras menos atrativas e na maioria das vezes em nível médio. Resultado, mesmo aqueles aprovados se frustram, salvo honrosas exceções, e muitas vezes se recusam a realizar as tarefas para as quais foram selecionados. Vários gastam o tempo, inclusive do expediente, para se preparar, numa roda-viva infinda, para outros concursos em setores supostamente mais atraentes do Legislativo ou Judiciário.”

O artigo completo é interessante e vale dois minutos de leitura. O contato com a minha obsessão foi com um dos problemas que a maioria dos dirigentes da CAPES se recusa a encarar: a ausência de distinção entre o trabalho de assistentes e analistas. Na verdade, muitas vezes não há diferença nem com o trabalho de colaboradores terceirizados de nível médio.

Todos ficam frustrados: o assistente julga que ganha pouco para o que faz e que tem um nível de responsabilidade além do exigido pelo cargo. A ascensão na carreira é mínima e, mesmo tendo atribuições similares ao dos analistas, é sistematicamente preterido para cargos de confiança. Como a maioria já tem diploma de nível superior, o sentimento de injustiça só aumenta.

Já o analista não tem seu trabalho valorizado e não tem tempo para desenvolver nada além do mínimo porque tem de escrever memorandos bestas, ofícios e tramitar documentos, tarefas que as secretárias não fazem porque têm de servir café aos coordenadores gerais e diretores. Também há a operação de sistemas de pagamento arcaicos, emissão de passagens e por aí vai. A frustração pessoal talvez seja maior: mesmo tendo o mérito de ter sido aprovado no concurso mais difícil, a única recompensa é a financeira. Compra-se o conforto para as horas fora do escritório, mas a diferença é quase irrelevante em um terço de sua existência.

Parece que não importa que haja diferença salarial entre os cargos (i.e. diferença de custo para o contribuinte): a ausência de divisão racional das tarefas é mantida em nome de tradição, inércia, amizade, mudança iminente (que nunca acontece), suposta impossibilidade de mudança (também conhecida por medo). As desculpas são tão numerosas quanto os reais desperdiçados. Como a maioria está pensando num emprego melhor (com razão) ou em agradar dirigentes por um DAS (o caminho tradicional), ninguém se importa muito com o assunto e acha que é mais fácil que tudo continue assim porque ninguém sozinho vai "mudar o sistema".

Não vai e nem precisa. Basta exigir um pouco de respeito ao dinheiro do contribuinte: o camarada que ganha mais e passou num concurso mais exigente deve realizar um trabalho mais complexo e de maior responsabilidade. É para e por isso que ele ganha mais. E nem venham com o argumento da experiência: não tenho nenhuma evidência de que 20 anos de experiência sejam equivalentes às exigências de um cargo diferente. Não é a toa que inexiste a possibilidade de mudança de cargo sem concurso público. Não é por acaso a diferença salarial significativa entre as carreiras. Não é desprezível que existam carreiras diferentes.

Mais fácil falar do que fazer? Provavelmente. Mas fazer é tão difícil? Não. O fazer é exigir, como servidor público responsável, a boa aplicação do dinheiro do contribuinte. Também exigir e querer mais responsabilidades. Exigir sua assinatura em documentos que exijam um mínimo de análise e não ser ghost writer de coordenadores que têm preguiça de escrever (dizem que é falta de tempo, claro). Exigir que sua opinião seja registrada e conhecida. Trocar, nem que seja de vez em quando, o sossego tedioso por uma discussão profissional. Em suma: exigir que sua opinião e seu trabalho contem, ainda que a opinião seja dissonante e o trabalho diferente das fórmulas que agradam.

Infelizmente sempre haverá trabalhos banais para todos: é inevitável com as exigências da burocracia brasileira e do baixo nível de informatização. Mas pode melhorar bastante, pode mudar sem que precise mudar a estrutura da CAPES ou que um planejamento estratégico seja executado. Achar que se deve esperar por momentos de estabilidade, de menor volume de demandas, de mudanças de dirigentes é inútil e ingênuo. A estabilidade nunca acontece, as demandas sempre se acumulam e são imprevisíveis e ninguém consegue prever a mudança de dirigentes. A solução? Começar, sem hesitação a desconstruir o status quo, a tradição, as desculpas esfarrapadas. O serviço público da amizade, da troca de favores e do privilégio está acabando, vai acabar. E qualquer empurrão, qualquer incômodo vai ajudar.

3 comentários:

  1. Quanto ao post inteiro tenho meu2 cents para acrescentar.

    A ausência de distinção de tarefas de fato é um problema sério, é até uma injustiça, tanto com os próprios servidores, quanto com os contribuintes. Contudo, sou a favor de que, mostrando competência, um técnico possa subir na carreira assumindo cargos de confiança. Acredito que dependa mais de capacidade (no ideal, não posso afirmar que é o que acontece na Administração Pública) do que de puxa-saquismo.

    Outro ponto é quanto a composição das equipes de trabalho. Não sei como foi feito a definição de força de trabalho para consecução do concurso e sei muito menos como foi a divisão dessa força de trabalho que assim veio. Tenho meus achismos quanto a isso, mas o que quero falar é que as áreas foram "premiadas" com determinada força de trabalho que muitas vezes não foi/é compatível com as tarefas ali executadas. Tenho certeza que há áreas de planejamento X que não contam com os servidores que possuem conhecimento X e do mesmo jeito há áreas recheadas de servidores com o conhecimento A, B e C que não podem utilizar de sua bagagem porque estão na área errada.

    Há de se pensar que esse definição é muito grande (o que não quer dizer que não deva ser feita), mexeria bastante com a instituição e com pessoas. Há primeiro que se definir as atividades (no micro) de cada setor, programa para depois tentar definir o número e a qualificação das pessoas que vão ali trabalhar.

    Bem, tem muito mais para ser dito no assunto, mas vou ficar por aqui.

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  2. Concordo que não há problema que um técnico competente ocupe cargos de confiança. Não é exatamente uma carreira porque é um extra no salário que pode ser tirado livremente pelo presidente da CAPES, ministro ou casa civil. O problema é a ausência de distinção dos servidores que não têm cargos de confiança, ainda maioria na CAPES. Pode-se assumir que cargos de gerência exijam qualidades e tenha atribuições diferentes dos cargos técnicos de analista e assistente e que, portanto, a distinção não se aplica nesses casos. É no caso dos que não ocupam cargos de confiança que a ausência de distinção é danosa porque paga-se salários diferentes para tarefas e responsabilidades que são, essencialmente, as mesmas.

    Ainda que a divisão de força de trabalho nas áreas tenha sido feita de forma incorreta há três anos atrás, quando a nova turma de concursados ingressou, já houve tempo suficiente para reequilibrar essa divisão sem mudanças bruscas. As mudanças que vi, na maioria, foram de servidores que queriam trocar de setor ou que foram devolvidos à CGGP para serem redistribuídos. Minha impressão é de que a minoria das mudanças foi feita por necessidade de trabalho.

    Também me parece que houve tempo suficiente para a definição das atividades das áreas, que não mudam desde 2007/8, última alteração no estatuto da CAPES. A desculpa que ando ouvindo agora é a de que é melhor esperar uma nova mudança que supostamente está para acontecer e vai melhorar as coisas. Guess what? Não acontece. Nem a diretoria de TI foi na prática criada ainda.

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  3. True. Quando falei de carreira era no sentido genérico (e não no sentido C&T)... até pq um cargo de confiança é sinal de que você está progredindo no teu trabalho!

    Bem, acho que a divisão de força de trabalho tem sido feita de modo errado a muito mais tempo. Hoje se divide as atividades não por cargo, mas sim por quantidade de pessoas. Vejo que alguns chefes ainda tentam realizar esse tipo de tarefa, contudo, como as equipes de trabalho foram montadas muitas vezes antes de seu "mandato", a situação se complica mais ainda. Além do fato da desconfiança na troca de servidores, muito mais que você pode ceder um servidor e não receber outro. Acredito que nenhum chefe abre mão de sua equipe, o que dificulta o trânsito e organização das pessoas.

    Quanto ao planejamento (ou ausência dele), infelizmente não vejo resultados deles na Capes. Acredito que talvez a área que tenha tido mais resultados nesse sentido foi a Informática (independente de ter uma Diretoria para ela). De algum tempo para cá, não ouvimos mais aquelas reclamações sobre ela e como testemunho pessoal (meio religioso isso não é? XD) digo que meu contato com o setor hoje é muito mais fácil e efetivo. Acho que o restante da Capes está precisando de umas aulinhas com seu setor de Informática.

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