2012-03-23

Reunir ou não reunir?

Um dos hábitos mais arraigados do burocrata é a reunião de trabalho. Se é interna e entre um tomador de decisão e um (ou mais) não-tomador de decisão chama-se despacho. Quando é com convidados externos ou funcionário de outros setor, é reunião. Pra simplificar, chamarei tudo de reunião.

A reunião é uma invenção pré-escrita (para não dizer pré-histórica). Antes da repartição pública, o chefe de tribo neandertal se reunia com os não-chefes para decidir como seria a caça ao mamute. Talvez não houvesse o cafezinho servido pela secretária ou os infindáveis documentos para assinar, mas o princípio era o mesmo.

O princípio da reunião de trabalho parece, em tese, positivo: um método ágil para discutir, resolver problemas, tomar decisões em conjunto. O que, às vezes, deve ocorrer. Digo "às vezes" e "deve" porque não me recordo de ter presenciado uma que fosse ágil, mas isso certamente é meu confirmation bias. Tentando retirar um pouco desse bias, ainda assim vou assumir que há uma parcela significativa de reuniões maçantes, longas e inúteis. São elas que tornaram um lugar comum dizer "detesto reunião".

Claro que se eu soubesse como reuniões de trabalho podem ficar legais poderia estar rico vendendo livros picaretas do tipo "Como fazer reuniões eficientes". Mas minha misantropia eventual e desgosto pela sensação de perda de tempo causada pelo outro me faz pensar mais em meios de evitar as reuniões, não em como torná-las melhores. (Na verdade, não tenho muito a reclamar porque essa mesma misantropia e ausência de poder burocrático não me fazem um participante recorrente de reuniões.) Se milhares de anos de civilização ainda não aperfeiçoaram o processo, a tarefa me parece fútil.

Voltando a como evitar reuniões, especialmente para assuntos não urgentes, me ocorrem os meios mais óbvios: e-mail, email, Email, E-mail. A tecnologia não é exatamente recente ou inovadora. Na pior das hipóteses, a maioria dos adultos (usuários de internet) no Brasil começou a usá-la por volta do ano 2000 ou antes (e alguns ainda mantém suas contas hotmail). Para reuniões que não envolvem nenhum assunto sigiloso (ainda que e-mail possa ser seguro), a tecnologia é adequada e confiável, só ainda não tão popular quanto o blablablá regado a água, café e biscoitos.

Sem medo de ser parcial e temendo falar o óbvio ululante, listo apenas as desvantagens de utilizar a escrita como substituta da reunião: 1) a escrita é mais lenta que a fala para trocar informação; e 2) é uma tecnologia mais difícil de dominar (fala é 100% natural). A lentidão da escrita não tem lá uma boa solução e vamos aceitá-la como fato da vida, especialmente para aqueles que digitam com dois ou três dedos e gostam de revisar o que escreveram. Já a dificuldade em dominar a escrita (whatever that means) parece ser semelhante à não ser "bom de conversa". Não pegando os extremos de escritor ou de líder político, a maioria das pessoas com 11 ou mais anos de educação formal fica próximo ao "Tive um sonho que era Machado de Assis" e "Oxalá fosse eu um Martin Luther King". Em qualquer um dos casos, a comunicação acontece, ainda que com algumas idas e vindas extras e eventuais desentendimentos.

Ainda com esses e outros problemas, quase sempre prefiro o e-mail à boa, velha e sobrevalorizada interação humana com hora marcada. Talvez talvez a idéia ainda precise de alguns milênios para pegar. Ou que surja um Homo burocraticus 2.0.

2012-03-15

A reterceirização da CAPES: "There is hope, but not for us"

Para terminar a série sobre a terceirização da CAPES, uma tabela e um não-tão-curto blablablá serão suficientes (espero). A tabela mostra os salários iniciais da carreira de Auxiliar e Assistente em Ciência e Tecnologia atuais e os salários mínimos (na prática, muito provavelmente serão os salários reais) estipulados no edital (modificado hoje) de terceirização da CAPES e CNPq . Os salários não representam o custo total do trabalhador para o contribuinte.


Categoria Salário bruto (R$)
Auxiliar em C&T                1.890,37
Assistente em C&T                3.163,28
Auxiliar Administrativo - I                   669,66
Auxiliar Administrativo - II                1.416,77
Auxiliar Administrativo - III                2.453,85

A tabela pode assustar os não-burocratas com os salários: um emprego público com exigência de nível médio com salário (inicial) de mais de 3 mil reais! Mas não é tão absurdo para Brasília, que é tão cara quanto Rio ou São Paulo e tem várias carreira públicas com salários melhores. Os cargos de Auxiliar Administrativo também tem salários razoáveis, não exagerados. Mesmo os salários brutos sendo menores, o custo efetivo da administração acaba sendo bem maior, às vezes o dobro, porque não estão incluídos os impostos, férias, 13o, custo da substituição do posto de trabalho, lucro da empresa. Também o custo do servidor de carreira não é apenas o seu salário: INSS, aposentadoria, licenças prolongadas com vencimentos integrais, adicionais conquistados na juustiça, adicionais por cargos comissionados, rotatividade dos servidores. Certamente o custo do Auxiliar Administrativo I é menor que o do Auxiliar em C&T, mas esses são apenas 5% dos cargos do edital. Para a quase totalidade, a diferença não será suficiente para causar rombos ou aliviar as contas do governo.

Com custos similares, surge a dúvida: seria melhor terceirizar apoio administrativo para que os servidores se concentrem em outras tarefas? Ou manter as atividades de apoio administrativo como privativas dos servidores de carreira?

É possível que sim, mas nem a Lei da Carreira de C&T nem a legislação atual sobre terceirização no Executivo Federal permitem atualmente. Essa vedação seria, então, um anacronismo da legislação? Não necessariamente. Já mostrei num post anterior que outras carreiras incluem apoio administrativo na lista de atividades a serem desempenhadas por servidores de carreira. Provavelmente não por acaso: o que se está chamando de apoio administrativo inclui a manipulação de informações por vezes sigilosas como CPF de terceiros, informações bancárias, identidade de pareceristas anônimos, informações sobre processos de tomada de conta e informações médicas de servidores.
 
Claro, não há, a priori, como afirmar que a informação sigilosa está mais protegida se manipulada apenas por servidores. Pode-se, no entanto, assumir que o servidor de carreira tem mais a perder se cometer uma falta deste tipo: além de sanções cíveis e penais, sua carreira como servidor público será afetada. E pode-se também assumir que um servidor público quer uma carreira sem problemas. Quer a estabilidade, a chance de ir para uma carreira melhor, de assumir cargos comissionados e uma aposentadoria integral (ou quase).

Por fim, minha última suposição é de que o servidor de carreira que se importa minimamente com o que faz quer respeito ao seu trabalho, tanto o interessante quanto o entediante. Perceber que pode ser substituído por funcionários que não demonstraram competência prévia (o concurso público) para desempenhar funções similares à sua é frustrante, desestimulante, desrespeitoso.

Presenciar toda essa situação continuar inalterada (e indiscutida) é que me fez lembrar da frase atribuída à Kafka: "There is hope, but not for us."

2012-03-08

A reterceirização da CAPES: o que farão exatamente?

Nos posts anteriores (parte 1, parte 2, parte 3) sobre o novo edital para contratação de mão-de-obra para apoio administrativo na CAPES e CNPq, mostrei que a justificativa para contratação não se sustenta: 1) serviços de apoio administrativo não são terceirizáveis (Decreto 2.271/97 e Lei 8.691/93); e 2) os cargos de apoio administrativo do edital não correspondem em requisitos de escolaridade ao cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia (em extinção) em mais de 95% das vagas. A única possibilidade restante para salvar a justificativa do edital é a de que as atribuições dos cargos sejam equivalentes, ainda que o requisito de escolaridade seja diferente (forçando a amizade, eu sei).

Aqui a comparação começa a ficar como o discurso da burocracia: turva. Quais as atribuições dos Auxiliares em Ciência e Tecnologia? Como se diz em juridiquês, o legislador parece ter sido preguiçoso:

"Art. 11. A Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia é destinada a servidores habilitados a exercer atividades de apoio à direção, coordenação, organização, planejamento, controle e avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de Ciência e Tecnologia, bem como toda atividade de suporte administrativo dos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta lei." - Lei 8.691/93

No entanto, não há definição separada de atribuições para analistas, assistentes e auxiliares, diferentemente do que acontece em carreiras como, por exemplo, a do Banco Central, do Plano Geral de Cargos do poder Executivo (PGPE) e INEP. O mais próximo de uma distinção de tarefas é o detalhamento dos requisitos dos analistas para a progressão funcional:

"Art 13. São pré-requisitos para ingresso e progressão nas classes do cargo de Analista em Ciência e Tecnologia, além do 3º grau completo, os seguintes:
[...]
        II - Analista em Ciência e Tecnologia Pleno 3:
[...]
        b) ter realizado, de forma independente, trabalhos interdisciplinares ou sistemas de suporte relevantes para o apoio científico e tecnológico, consubstanciados por desenvolvimento de sistemas de infra-estrutura, elaboração ou coordenação de planos, programas, projetos, estudos específicos de divulgação nacional e outros meios aprovados pelo Conselho referido no art. 16;" - Lei Lei 8.691/93


Para os cargos de assistente e auxiliar, os requisitos para progressão funcional são apenas experiência no cargo contada em anos. Isso significa que, independente do cargo, todos os servidores devem desempenhar as mesmas funções? Idealmente não, mas é o que muitas vezes acontece, como já discuti no nascimento do blog. Mas não é impossível imaginar um cenário em que gestores responsáveis com o dinheiro do contribuinte atribuam tarefas de suporte administrativo a assistentes e tarefas de maior complexidade intelectual a analistas. Ainda assim, analistas provavelmente ainda executariam tarefas de apoio administrativo de vez em quando. C'est la vie.

Já as atribuições dos Auxiliares Administrativos no edital são detalhadas e divididas por nível. A lista é longa e pode ser consultada aqui. Alguns poucos exemplos mostram que as atribuições são, de fato, de suporte administrativo (que são de responsabilidade legal do servidor de carreira):

  • Numerar e controlar documentos;
  • Efetuar levantamentos diversos, quando solicitado;
  • Operar máquinas simples de reprodução e digitalização de documentos, telefone e fac-símile e outros;
  • Organizar arquivos, sob supervisão;
  • Auxiliar nos procedimentos para solicitações de viagens - passagens e diárias, nacionais e internacionais;
  • Autuar, protocolar processos e documentos e operacionalizar sistema de protocolo e arquivo;
  • Controlar a entrada e saída de bens patrimoniais e equipamentos, fazendo o lançamento das movimentações em sistemas próprios, sob supervisão;
  • Elaborar, transcrever, conferir e/ou formatar relatórios, planilhas, memorandos, ofícios e demais correspondências, de acordo com os dados fornecidos pelos CONTRATANTES;
  • Acompanhar, registrar e divulgar a publicação de atos normativos, bem como sua validade, relacionados à área de atuação;
  • Prestar auxílio em reuniões internas, compilando e transcrevendo os assuntos tratados;
  • Formatar documentos elaborados pelos servidores, auxiliando-os no que for necessário;
  • Redigir e arquivar correspondências e documentos de rotina. -  Retirado do Termo de Referência do edital 1/2012, UASG 154003
Como também as atribuições dos auxiliares administrativos a serem contratados entram em conflito com a dos servidores, façamos o exercício de imaginar um mundo possível que reúna todas as condições para justificar adequadamente a contratação pretendida do edital:

  1. A Lei da Carreira de Ciência e Tecnologia não menciona "suporte administrativo" como atividade dos servidores permanentes;
  2. O Decreto que regulamenta a terceirização no Executivo Federal inclui suporte administrativo na lista de atividades terceirizáveis;
  3. A carreira de Assistente em Ciência e Tecnologia está extinta ou em extinção.
Esse mundo alternativo pode ser até mais interessante que o nosso, mas o lamentável, para os gestores da CAPES, é que não estamos nele. Simplesmente nomear um cargo como "Auxiliar Administrativo" e compará-lo ao cargo de "Auxiliar em C&T" não tem o efeito mágico de alterar a realidade. Mas terá um custo, que discuto no próximo post. Estamos quase lá...

2012-03-07

A reterceirização da CAPES: os super-auxiliares administrativos

Nos posts anteriores sobre a reterceirização da CAPES vêm ficando claro que uma nova contratação para serviços terceirizados só poderia se caracterizar como sendo de serviços acessórios, instrumentais, complementares e que não sejam privativos a servidores público. Estes tipos de serviços seriam, em tese, terceirizáveis (artigo 1º do Decreto 2.271/97), e por isso, a CAPES e o CNPq poderiam contratar empresa para prestar serviços de apoio administrativo.

O problema é que serviços de apoio administrativo não estão na lista de serviços tercerizáveis e são privativos dos servidores da carreira de Ciência e Tecnologia (Decreto 2.271/97 e artigo 11 da Lei 8.691/93). A solução é a brecha que o Decreto 2.271/97 deixa para funções exercidas por cargos em extinção, no caso, o cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia. Havendo equivalência entre os requisitos e atribuições dos cargos de Auxiliar em C&T os dos cargos de Auxiliar Administrativo do contrato de terceirização, é só correr pro abraço.

Por sorte, não estamos no melhor dos mundos possíveis para os dirigentes da CAPES que desejam que a contratação aconteça: a equivalência nos requisitos de escolaridade só existe para menos de 95% das vagas a serem contratadas (item 2.5 do Termo de Referência). Explico ad nauseam.

O requisito de escolaridade/experiência para o cargo de Auxiliar em C&T é:

"Art. 15. São pré-requisitos para ingresso e progressão nas classes do cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia, além do 1º grau completo, os seguintes:
I - Auxiliar 2: ter, pelo menos, seis anos de experiência na execução de tarefas específicas inerentes à classe;
II - Auxiliar 1: ter conhecimentos específicos inerentes à classe." - Lei 8.691/93 , grifo meu.

Já os cargos de Auxiliar Administrativo do edital exigem:

"[...]
Os profissionais referentes à atividade de “AUXILIAR ADMINISTRATIVO” serão divididos em 03 (três) categorias: “NÍVEL I”; “NÍVEL II”; e “NÍVEL III”. Essas categorias foram definidas de acordo com a complexidade das atribuições.
3.1.1.1.      NÍVEL I
I - Qualificação mínima:
a)  Ensino Fundamental Completo;

[...]
3.1.1.2   NÍVEL II
I - Qualificação mínima:
a) Ensino Médio Completo;
[...]
3.1.1.3 NÍVEL III
I - Qualificação mínima:
a) Ensino Superior Incompleto;" - Termo de Referência do Edital do Pregão Eletrônico 1/2012, UASG 154003, grifo meu


Comparando as exigências do edital com as exigências do cargo de auxiliar em C&T, fica mais claro que o sol de Brasília que apenas o cargo de Auxiliar Administrativo I têm equivalência de escolaridade ao cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia. E esses cargos são menos de 5% do total de cargos licitados (10 em 231). Em outras palavras: mais de 95% do quantitativo de cargos do edital exige, ao menos, ensino médio completo, e o cargo de nível III, que representa 73% do número de vagas, exige nível superior incompleto, o que é mais do que a exigência de escolaridade para o cargo de Assistente em C&T (artigo 14 da Lei 8691/93).

Não havendo equivalência de escolaridade entre o cargo de auxiliar em C&T e 95% das vagas do edital de terceirização (auxiliar administrativo nível  II e III), como poderia se dar esta equivalência? Nas atribuições?

Infelizmente a série vai além de uma trilogia...

2012-03-06

A reterceirização da CAPES: rationale meia boca

No post anterior, apresentei a situação atual da mão-de-obra terceirizada para apoio administrativo na CAPES e a nova licitação para o mesmo tipo de contratação.

Esta nova licitação tem o objetivo de contratar, via sistema de registro de preços, serviço de apoio administrativo para a CAPES e o CNPq e serviços de ascensorista (não é piada), carregadores, encarregado-geral e fiscal predial apenas para a CAPES. Minha análise será só dos cargos de auxiliar administrativo, mas a justificativa da contratação para todos os cargos é descrita da seguinte forma:

"2.      JUSTIFICATIVA
2.1.            Os serviços terceirizados demandados destinam-se à realização de atividades materiais administrativas, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem a área de competência legal do Órgão, conforme dispõe o Decreto nº 2.271/97, necessários ao bom funcionamento da CAPES e do CNPQ, e não inerentes às atribuições de cargos de seu quadro de servidores.
2.2.            A execução dos serviços em tela também visa suprir às necessidades de desenvolvimento das funções auxiliares no âmbito das atividades da CAPES e do CNPQ, e, ao mesmo tempo, os serviços objeto deste instrumento, consistirão [sic] numa solução de otimização a implementação das atividades finalísticas." - Termo de Referência do Pregão Eletrônico 1/2012, UASG 154003

O item 2.1 do edital (acima) afirma que as atividades a serem contratadas seriam instrumentais ou complementares às da CAPES e CNPq, em conformidade com o decreto 2.271/97. Não seriam, portanto, atividades inerentes às atribuições dos cargos que compõe o seus quadros de servidores. Para economizar o click do leitor, reproduzo o que o decreto 2.271/97 lista como atividades terceirizáveis:

"Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
        § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
        § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal." - Decreto 2.271/97

A lista de atividades do Art. 1º do decreto não inclui nada similar a apoio/auxílio administrativo. E não parece que é uma omissão aleatória (nem o serviço público seria tão lento para publicar uma retificação de um decreto de 1997). Recordem-se que as funções de apoio administrativo são mencionadas explicitamente no artigo 11 da Lei 8691/93 (lei da Carreira de Ciência e Tecnologia) como atribuição de servidores da carreira:

"Art. 11. A Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia é destinada a servidores habilitados a exercer atividades de apoio à direção, coordenação, organização, planejamento, controle e avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de Ciência e Tecnologia, bem como toda atividade de suporte administrativo dos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta lei." - Lei 8.691 de 28 de julho de 1993, grifo meu.

Outras carreiras de órgãos como FIOCRUZ, INMETRO, IBGE e INPI (Lei 11.355/2006) também incluem atividades administrativas, em vários níveis e de acordo com o cargo, entre atribuições dos servidores de carreira. Se as atividades de apoio/auxílio administrativo não podem ser terceirizadas, uma solução possível é usar a brecha que o §2º do decreto permite: "[...] ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal." No Termo de Referência do edital, essa exceção é utilizada e apresentada num único "precedente jurisprudencial" (nenhum outro exemplo é citado):

"2.1 Nesse sentido, em demais precedentes jurisprudenciais, dentre as quais podemos citar a orientação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG em Nota Informativa n.º 168, de 17 de março de 2011, ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio:
'11. De saída, informo que os cargos de nível fundamental estão em extinção em toda a Administração Pública Federal, por esse motivo deixo de examinar a proposta de auxiliares administrativos.
[...]
39. ... Parece claro que não haveria nenhuma limitação para a terceirização dos casos em que as atribuições do ICMBio guardam fácil similitude com as atribuições do cargo de Auxiliar Administrativo, uma vez que esse tipo de cargo está em extinção em toda a administração pública federal.” (grifamos).' " - Termo de Referência do Pregão Eletrônico 1/2012, UASG 154003

De fato, a carreira de auxiliar está em extinção na CAPES e no serviço público. Segundo dados do Portal da Transparência de fevereiro de 2012, existem apenas três auxiliares em Ciência e Tecnologia em exercício na CAPES. A pergunta óbvia a ser feita é então: os requisitos e atribuições dos cargos de Auxiliar Administrativo do edital correspondem aos do cargo de Auxiliar em Ciência e Tecnologia?

Veremos no próximo capítulo...

2012-03-05

A reterceirização da CAPES: preliminares


A CAPES, como muitos órgãos do governo federal, sofreu com a terceirização excessiva no passado recente. O concurso público de 2008 aliviou um pouco a situação e foi possível, em 2009 e 2010, diminuir o número de funcionários terceirizados que atuavam em funções que deveriam ser exclusivas para servidores de carreira.

Mas a tendência de diminuição da terceirização não durou muito. Em 2011, o número de funcionários terceirizados na CAPES voltou a aumentar. Também estagiários, raros em 2009 e 2010, foram contratados de baciada. A justificativa é tediosamente previsível: a demanda de trabalho aumentou, não foi autorizado novo concurso e mais funcionários são necessários para que tudo continue funcionando. Bolsistas precisam receber, programas e eventos precisam ser financiados, novos programas continuam a surgir e por aí vai. Esses funcionários terceirizados seriam contratados para apoio/suporte administrativo, não para exercer funções típicas e privativas de servidores de carreira. No papel, claro. Na prática, funcionários terceirizados são, em muitos casos, os principais executores de programas de fomento e concessão de bolsas de estudo, exercendo tarefas como (lista não exaustiva):

- Preparo de documentação para liberação de recursos financeiros a pesquisadores;
- Operação de sistemas internos utilizados para pagamento de bolsistas. Por vezes estas permissões são as mesmas dos servidores, mas utilizadas em atividades de conferência para pagamento;
- Redação de ofícios e memorandos para serem assinados por servidores comissionados;
- Redação de pareceres técnicos expositivos, também chamados de notas técnicas, para expor problemas a serem avaliados e decididos por servidores com cargo comissionado;
- Acesso e instrução de processos administrativos com pareceres ad hoc recomendando ou não a concessão de bolsas e projetos de pesquisa;
- Acesso total a e-mails institucionais (emails de programas da CAPES) tanto para leitura quanto para envio de mensagens;
- Atendimento pessoal a pesquisadores e bolsistas na sede da Fundação CAPES;
- Recepção de documentos nas áreas técnicas e, rotineiramente, anexação destes documentos a processos administrativos;
- Preparação de levantamentos de dados solicitados pelas gerências internas da CAPES;
- Inserção e manutenção de bases de dados de bolsistas e projetos de pesquisa tanto em sistemas internos quanto em planilhas (sim, planilhas de Excel mesmo...).

Estas tarefas, de maior ou menor complexidade e responsabilidade, podem ser classificadas, na maioria, como tarefas de suporte/apoio/auxílio administrativo. Algumas são peculiares à agências de fomento como a CAPES, outras corriqueiras em toda a administração pública. Ainda que nem todas precisem ser realizadas por analistas, idealmente, deveriam ser executadas por servidores de carreira. Ao menos é o que diz a lei que cria e regula a Carreira de Ciência e Tecnologia:
  
"Art. 11. A Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia é destinada a servidores habilitados a exercer atividades de apoio à direção, coordenação, organização, planejamento, controle e avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de Ciência e Tecnologia, bem como toda atividade de suporte administrativo dos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta lei." - Lei 8.691 de 28 de julho de 1993, grifo meu.

Mas isso tudo é assunto velho e que vai ser resolvido com contratação de novos servidores para a CAPES num futuro próximo, certo?

Dream on. Saiu hoje, 5/03/2012, no Diário Oficial da União, o aviso de licitação para uma nova contratação de serviços de auxiliar admnistrativo para a CAPES e CNPq. Apenas para a CAPES serão até 181 vagas de apoio administrativo em três categorias.  O Termo de Referência do edital pode ser lido no site Comprasnet*.

Nos próximos posts, comentarei os detalhes desta licitação, em especial a justificativa para a contratação e o custo dos postos de trabalho.

To be continued...

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* Não há link direto (a relação de licitações está desatualizada no site da CAPES em 05/03/2012), mas o acesso aos arquivos é livre. Eis o passo-a-passo for dummies:

1 - Vá ao site comprasnet.gov.br e selecione o menu "Acesso Livre">"Consultas">"Aviso de Licitações";
2 - Preencha o campo "Número da Licitação" com "12012" (sem as aspas);
3 - Clique em "Selecionar" no campo "Cód. UASG (Unid.de Compra)" e insira os números "154003" no campo "Código da UASG (Unid. de Compra)";
4 -  Clique em "OK" no pé da página;
5 - A página seguinte mostrará alguns detalhes da licitação. Clique no link com o rótulo "Itens e download" no pé da página;
6 - Mais uma página de detalhes é aberta. Clique no link com rótulo "Download" no pé da página;
7 - Uma janela é aberta e é necessária a digitação de um captcha para você confirmar que é um humano (com muita paciência) que está tentando baixar os arquivos;
8 - Após acertar o captcha e clicar em "Confirmar", um arquivo .zip com todos os documentos estará pronto para ser baixado.