2013-09-18

Eu e elas

Quando rompi com CC, a relação já tinha muitos anos, estávamos unidos desde a minha primeira infância. Meus pais dizem que gostei dela desde o início: adoração completa, uma sede de quero mais. Nessa inseparabilidade, estivemos juntos até meu último ano na universidade. Talvez alguns casamentos durem mais que isso, mas e daí? Para mim, foi uma eternidade. Sempre achei que nunca iria desistir dela, que ela me acompanharia onde eu estivesse, em qualquer situação.

O rompimento não foi brusco nem bem delimitado temporalmente. Talvez porque nenhum acontecimento extraordinário tenha precipitado o fim. Também não houve um fim antecipadamente anunciado. Nem drama intenso, nem sofrimento prolongado. Lembro que não era falta de desejo. Aconteceu que me dei conta de que a relação não seria eterna, não teria nem um longo prazo. Estava entrando em um novo ciclo de vida e ela precisava ficar para trás. Tentei não pensar demais no fim, não avaliar prós e contras. Ainda que o vínculo fosse antigo, o resto da minha vida era mais importante. Iria acabar, precisava acabar.

Nos primeiros dias, a falta dela era visível. Precisei de um autocontrole que nunca tinha praticado. Tragicamente, o autocontrole faltava por culpa dela, que estava sempre ao meu lado e era também minha fonte principal de autocontrole. Sinuca de bico, catch 22, tudo indicava que nosso rompimento não aconteceria. Muitos amigos disseram que eu não conseguiria, que meu apego a ela era forte demais. Minha fraqueza por CC sempre foi ululante e assumida.

A solução foi trocá-la por uma mais nova. Uma prima mais nova de CC! Por tradição familiar ainda tinham o primeiro mesmo nome: meu futuro seria com CZ. Talvez tenham dito que eu era insano, fora da casinha mesmo. Para mim era natural. Se fosse um matemático, desenvolveria uma lógica para me justificar. A semelhança física entre CC e CZ ajudou. A cintura fina de CZ fez um mundo de diferença. A novidade e a beleza exótica fecharam o pacote. Era um rompimento, mas sem vandalismo.

Os clichês foram inevitáveis. Tive recaídas com a ex e senti uma culpa cristã que nunca tive. Não eram diárias e eu tentava me justificar. Culpei os dias de calor, quando CC aparecia onde eu estivesse com suas curvas e toda de vermelho: única e inebriante. Cintura fina e corpo de modelo eram uma delícia também, mas as curvas de CC tiram muita gente do sério. Era penoso tentar ser a exceção. CC sabia da prima, que também sabia do desejo que CC me despertava. CC sabia que hábitos antigos são difíceis de superar e, na sua autoconfiança inabalável, sabia que eu vacilaria de vez em quando. A prima CZ, ainda que pudesse estar insegura, sabia do meu comprometimento com a mudança. Mas sabia também que, por ser mais nova em minha vida, eu iria precisar de um tempo até me sentir conquistado. 

Pensei até em ter o melhor dos dois mundos. Às vezes as curvas e a intensidade de CC, em outras, o corpo ideal de CZ e uma suavidade que me fazia querer sempre mais. Mas eu sabia que seria uma atitude covarde, uma infidelidade que teria de justificar socialmente a todo momento. A ex precisava ficar na memória, eu precisava chegar a um estado que não cedesse ao desejo, que não precisasse nem resistir. Em mais uma estratégia para me afastar de CC, conheci outras. Experimentei bastante, repetidamente com algumas até. Talvez uma terceira que não fosse relacionada às duas primas me ajudasse a superar a ex. Algumas tinham as curvas de CC, outras aproximavam o ideal de magreza de CZ, mas nenhuma me despertava um desejo que eu sentisse ser duradouro. Foram passatempos.

A mudança aconteceu. Em alguns meses, já estava completamente habituado e desejando intensamente CZ. Mesmo nos dias quentes, ela já ficava deliciosa em seu pretinho básico. A ausência de curvas era uma saudade, mas dessas que não dura mais que dois segundos e meio. Não era que eu já me considerava um entusiasta das retas, mas na minha nova vida era mandatório que eu estivesse longe de CC para ser mais saudável. As curvas haviam ficado no retrovisor, as retas se estendiam no limite do horizonte.

A relação com CZ já dura muitos anos. Já é sólida, íntima e ainda com aquele gosto de que nunca irá acabar. Objetivamente sei que é uma improbabilidade, mas nem penso em alternativas. Ainda assim, sou humano e às vezes preciso de YOLO (You Only Live Once). Não são encontros planejados, nem me causam mais culpa. Nos piores dias do verão, os encontros ocasionais com CC, sempre de vermelho, refrescam a minha memória e meu desejo. Com CC, sempre ao meu alcance, revivo o passado de prazeres. Agora, o que era uma dificuldade em abandonar o passado tornou-se o eventual delicioso, exótico e não planejado. A eternidade não era possível com CC, mas minha vida com CZ ainda é as good as it gets

Quase hora do almoço e já começo a pensar no encontro habitual com CZ. É um dia mais frio que o normal e a lembrança de CC não deveria ter retornado. Mas não quero que a excepcionalidade seja previsível. Hoje vai ser Coca Cola, não Coca Zero.