2013-07-03

Mudança? Não para nós.

"Há uma quantidade infinita de esperança no universo... mas não para nós" - Franz Kafka

Estive em silêncio essas semanas enquanto o Brasil saía às ruas. Os motivos eu só tenho post hoc: não gostar de fazer previsões sem dados, não ter participado diretamente das manifestações (tenho alergia a vinagre), não ser uma luta particular minha (pode me chamar de egoísta). Inicialmente tive a impressão de que alguma coisa pudesse mudar ou uma mudança forçada talvez pudesse acontecer. Uma vaga esperança, mesmo com meu pessimismo persistente.

Mas hoje despertei após uma noite de sonhos inquietantes sentindo as costas tão duras que pareciam revestidas de metal. Abri uma página de notícias na internet e a realidade me jogou na cara que mandaram cancelar a esperança. Mesmo com todas as manifestações populares, o presidente da câmara dos deputados, o terceiro na sucessão presidencial, esfrega na cara do contribuinte que não está nem aí para moralidade, para o uso responsável do dinheiro público e usa um jato da Força Aérea Brasileira para ir de Natal ao Rio de Janeiro com família e amigos assistir à final da Copa da Confederações 2013. 

Após a denúncia da imprensa, e unicamente porque a farra se tornou pública, o deputado Henrique Alves declara que irá ressarcir o contribuinte com o valor das passagens. Posso imaginar como será a devolução: pelo preço da passagem promocional mais barata entre Natal e Rio de Janeiro em baixa temporada e paga com muita antecedência. Ou alguém imagina que será o custo de deslocamento do jato para Natal depois Rio, de volta a Natal e de volta para onde o jato estava, já incluindo o salário do piloto e tripulação. Henrique Alves tenta ainda justificar a viagem como se fosse para uma suposta reunião de trabalho no Rio de Janeiro no sábado. Na mais surpreendente das coincidências, a reunião aconteceu na véspera do jogo que foi assistir. Como já ia mesmo, uma carona não pareceu ser um problema.

Essencialmente, Henrique Alves está colocando cada contribuinte de quatro e metendo sem lubrificante. Está mostrando pra quem quiser que o Brasil do privilégio, do "manda quem pode, obedece quem tem juízo" continua sem qualquer tentativa de acobertamento. Não houve equívoco ou descuido. Não foi erro inocente. Houve claro e deliberado planejamento para usufruir do dinheiro público para seu prazer pessoal. Foi a resposta do presidente do congresso às manifestações. Com a crueldade adicional da exibição pública, por seus amigos e familiares, de fotos em redes sociais exibindo publicamente a felicidade de estar assistindo ao jogo sem pagar a passagem.

Cidadão brasileiro esperando a sua vez.

Se alguma punição ao deputado irá acontecer eu não sei, mas poucos acreditam que vai. O deputado Henrique Alves só o fez porque sabia que nada aconteceria. Sabia que não teria seu pedido negado ou questionado. Estava plenamente consciente do ato, do seu poder de pedir e ser atendido no mais absurdo dos pedidos. Quem recebeu o pedido não o contestou. Quem atendeu ao pedido não contestou. Quem pilotou o avião e viu família e amigos do deputado entrando obedeceu as ordens cegamente. Nenhum dos funcionários que souberam do fato denunciou publicamente o acontecimento.

Num mundo ideal, o deputado seria forçado a renunciar da presidência e de seu mandato (por vontade própria, nem no mundo ideal) e sua carreira política viraria história a ser esquecida. Mas sou pragmático e vou dar algumas sugestões, ainda que utópicas:

1 - O povo sair às ruas e pedir a renúncia de Henrique Alves. Entendo se não rolar porque os manifestantes já estão cansados. Mas poderia ser uma renovação de pauta.

2 - A presidenta pedir a renúncia de Henrique Alves. "Aí seria interferência do Executivo no Legislativo!", gritariam os puristas. Mas o Executivo já controla o legislativo e seria por um bem maior. Como provavelmente um pedido não daria certo, teria de ser uma chantagem do tipo "o mandato ou os cargos ocupados pelo PMDB até o milésimo escalão do Executivo Federal".

3 - Os outros deputados abrirem processo de cassação contra Henrique Alves. O governo teria de dar algum apoio e poderia ser uma boa oportunidade da presidenta ganhar popularidade. 

Todas são possibilidades teóricas. O que desanima é que será necessário um suplente assumir a vaga e um novo presidente do congresso ser eleito. A sensação de que o ciclo continua é inevitável. Idéias como guilhotina vêm à cabeça (não resisti). Reforma política com aplicação só em 2016 deixa qualquer um sem esperança. Fazer o quê, então?

É preciso concentrar esforços. Sonhar que um dia teremos uma população educada o suficiente para achar que obedecer quem é indicado/eleito é completamente irracional. Sonhar com um dia em que representação política não será uma profissão com aposentadoria especial, mas apenas a dedicação temporária de um cidadão para representar outros pelo bem comum.

A educação no Brasil está melhorando e deve continuar a melhorar. Mas vai demorar. Duas gerações, meio século, por baixo. Já o modo de representação política pode mudar quase instantaneamente. É preciso tirar o dinheiro da política. Possibilitar que o cidadão não-milionário e não vendido possa ser eleito. Financiar as campanhas políticas exclusivamente com o dinheiro público. Vai custar um bilhão? Dez bilhões? É uma conta muito mais barata para o contribuinte que ter representantes corruptos fantoches de empresas e do 1% mais rico.

Se não der certo, o Brasil tem aço suficiente pra muita guilhotina.