2013-01-31

Segredos da Esplanada

Imagino que alguns dos pacientes leitores já conheçam o projeto Post Secret: pessoas enviam cartões postais anonimamente contando seus segredos mais íntimos para toda a internet. O anonimato é que torna tudo possível e interessante, claro.

Já existem vários spin-offs do Post Secret, mas não encontrei nenhum com foco para assuntos da burocracia (nem imagino o porquê). Mas eu vou tentar e publicarei se alguém quiser compartilhar um segredo com tema burocracia e assuntos relacionados.

Peço a todos os leitores que me enviem segredos de seus locais de trabalho que só divulgariam anonimamente (ou que são conhecidos, mas não fora do órgão). Nada que ofenda ou acuse alguém. Nenhum segredo protegido por lei ou norma, i.e., nada do tipo Wikileaks. Vamos às regras das submissões então.

  1. Os segredos podem ser seus ou de outras pessoas, mas sempre anônimos.
  2. Os segredos não devem mencionar nomes, cargos ou setores específicos.
  3. Os segredos podem ser cômicos, tragicômicos, de indignação com alguma situação, de autodepreciação (mas vai continuar anônimo), vexatórios, confessionais, you name it.
  4. Segredos poderão ser remetidos como texto (link ao fim do post), figuras, ou texto + figuras. Se for só texto, talvez eu passe o corretor ortográfico. Provavelmente não. 
  5. Segredos com figuras podem ser enviados para postsecretdaesplanada@gmail.com.
  6. Ao enviar o segredo, você abdica totalmente do copyright. Vai que recebo material muito bom e faço um livro de verdade. Em troca, além da publicação do segredo, doarei 10,5% do possível ganho com o livro para uma caridade.
  7. Palavrões serão totalmente aceitos. Caretice pra quê?
  8. Você não precisa trabalhar na Esplanada. É suficiente que você trabalhe num órgão ou empresa pública federal, estadual ou municipal/distrital.

2013-01-29

Neither Rhyme nor Reason

Em conversa ontem minha mãe falou da tristeza que estava sentindo pela tragédia em Santa Maria. Além das mortes de tantas pessoas jovens, ela ficou pensando que algo similar poderia ter acontecido comigo, que estudei longe de casa e numa cidade conhecida pela vida universitária (Campinas). Tentei desconversar que nunca fui muito de boate, mas, obviamente, ela estava certa. Mesmo já distante dos anos de vida universitária na graduação, a comparação foi inevitável e, sendo mãe, a identificação com as mães de vítimas da tragédia atingiu mais perto. A tragédia trouxe à memória que o improvável acontece e que poderia ser com alguém próximo.

Para um ateu, não há melhor explicação de não ter sido comigo do que o "tive sorte". Não que essa sorte tenha qualquer causa (ou uma causa possível de precisar). Minha sorte foi como a da maioria que não morre em acidentes, de doenças raras ou em tragédias. Uma sorte corriqueira, que damos por certa para qualquer motivo prático. Na verdade, temos de assumir que teremos essa sorte para conseguir viver com certa normalidade. Achar que o avião vai sempre cair é irracional e não nos leva longe.

Então uma tragédia como a de Santa Maria acontece e, especialmente pelo número e idade das vítimas, lembramos que um sábado à noite de diversão pode antecipar o provável ataque cardíaco na beira da praia com a quarta esposa aos 87 anos de idade. Ou não deixar que você complete aquele seu livro sobre o fim do machismo no ocidente que será completado e lançado mundialmente quando você estiver com 107 anos. Pode-se desejar e esperar que o improvável não aconteça. Pode-se até melhorar um pouco as probabilidades tendo uma vida saudável e não fazendo burrices como dirigir após alguns drinks porque você "tá super bem e é ótimo motorista". Mas não é possível ou prático evitar o improvável. Para ateus, que não acreditam em qualquer continuidade após a morte cerebral, pode parecer que a situação é desesperadora. Deus não te protege (nem te põe em roubadas com a desculpa de escrever certo por linhas tortas), não te dá a aprovação naquele concurso dos sonhos e você não vai reencontrar aquele grande amor numa vida eterna. Também não vai encontrar tempo para ler "Em Busca do Tempo Perdido". Sem rima nem razão, continuamos a existir guiados pela natureza e pelo meio. E, mesmo não sendo um bobo alegre que vê o lado bom em tudo, é possível ver a situação como estimulante (para alguns, antidepressivos ajudam).

Estimulante porque resta o presente com suas conseqüências; o futuro próximo que desejamos ansiosamente ou queremos ficar livres e seguir adiante; e os sonhos do futuro distante que esperamos que aconteçam sem imprevistos, mas que temos pouco (nenhum) controle sobre. Por sorte também, até coisas boas acontecem nesse futuro distante.

Restam os zilhões de detalhes da realidade, complexa além do que é possível simular ou conceber, mas que, por sorte, não parece estar à mercê de um criador caprichoso e onipotente. É possível aprender coisas novas e obscuras todos os dias que, com sorte, poderão ser usadas para impressionar a Camila Pitanga naquele esbarrão acidental no aeroporto.

Resta racionalizar que cada pessoa, com sua genética, cérebro e história únicas, é um acaso extremamente improvável, mas que aconteceu. Vai que a Camila Pitanga é uma chata e aquela paquera que parecia descompromissada é que vai ser a sua companheira para toda a vida.

Resta, finalmente, tentar desfazer a ilusão persistente de que somos so fucking special. Tivemos a sorte de ter um cérebro gigantesco (mas que dá uns bugs de vez em quando) e ter tido mais sorte na savana africana que nossos primos primatas. Ainda assim, realisticamente, não somos mais que poeira cósmica. Exceto para as mães.

2013-01-25

Mordomia ou vergonha alheia?

A rádio esplanada me contou de uma agência estatal que contratou vários garçons para servir café, chá e água para os servidores. Não apenas para VIPs nas cadeiras numeradas ou na Tribuna de Honra, mas para a arquibancada comum também (ouvi falar que a geral não existe mais).

Funciona assim: o garçom passa com um carrinho com as bebidas pelas mesas 4 vezes por dia. Além desses quatro atendimentos, um copo com água é colocado na mesa dos que quiserem no começo do dia. Parece que estão todos gostando. Claro, quem não gosta de ser servido sem pagar nada diretamente? Como se estivesse num café trabalhando sem pagar pela bebida nem dar gorjeta.

Fico imaginando o que a maioria das pessoas do tal órgão pensa sobre o assunto. Melhor, o que a maioria pensaria se parar para pensar no assunto. Como o exercício de achismo e leitura de mente é fútil, fiquemos mais próximos dos fatos. Ao menos com os fatos reinterpretados pelo meu cérebro.

Há, inegavelmente, uma situação excepcional. A maioria dos servidores públicos não tem café servido na mesa (e nenhum bebe café decente no local de trabalho), especialmente os que não ocupam cargo. E essa excepcionalidade é necessária ou supérflua? Um exemplo a ser copiado ou motivo de vergonha pra administração?

Os que já saíram da ilha da fantasia (Brasília) ou do continente da desigualdade social (Brasil) costumam sabem que ter garçons (ou ascensoristas) no local de trabalho não é usual. Além de raro, remete a uma época de privilégios, gastos desnecessários, época de desigualdade social em que havia abundância de candidatos para empregos de garçom. Há uma normalidade em preparar e pegar seu próprio café. Apertar o botão do seu andar (ou fazer a gentileza de apertar para um colega) ou esperar dois minutos a mais pelo elevador é completamente aceitável e não justifica contratar ascensoristas para elevadores modernos. Mas aqui na Esplanada e arredores, há quem se gabe: "onde eu trabalho tem garçom pra pra todo mundo!"

Além daqueles que acham normal, bacana, legal, há os que racionalizam: gera empregos. Claro, com dinheiro que não sai do seu bolso, é uma beleza essa geração de empregos. Ainda: por que não ampliar essa lógica ao absurdo? Desistir de fazer capanhas para que ninguém dirija e beba: vai gerar mais empregos para socorristas, mecânicos, donos de ferro-velho, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, embalsamadores, coveiros.

E, claro, por que não ter mais pessoas servindo os que não precisam ser servidos? É obviamente uma lógica cruel e elitista. Perpetuar a existência de empregos de baixa qualificação com a desculpa de que há quem precise desses empregos. Incentivar a manutenção de uma sociedade em que a diferença de salários é abismal. Manter o status quo (daqui) com uma aura de benfeitor.

Ou talvez seja tudo uma grande conspiração pra acabar com a conversa no bebedouro, na copa, nos corredores. Vai que alguém tem a idéia absurda de discordar do idiota que chama de chefe... 

2013-01-01

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