2013-03-28

Ato dois: a escrita reina

A escola não serve pra nada se esses erros não forem punidos.

Se ele cometer esse tipo de erro não vai conseguir emprego.

Muitos professores de língua portuguesa adorariam que estes argumentos fossem verdadeiros. Fariam o professor de português ser o rei dentro de uma escola. Também o tornariam co-responsável pela existência da escola e do futuro de seus alunos. Jamais ficariam desempregados e teriam ótimos salários.

Ambos argumentos exageram a importância da capacidade de dominar em minúcia a norma culta escrita da língua. No extremo é considerar o conhecimento da norma como o grande aprendizado que se leva dos anos de escolarização. Mas até que ponto o domínio da modalidade escrita da língua é o ápice da educação formal?

Não é difícil entender a ênfase da escolarização no aprendizado da leitura e escrita. O domínio da língua escrita não é um processo natural como falar e andar. O processo de letramento de uma criança ou adulto precisa de instrução explícita e anos de treino. É um processo intenso e complexo que altera morfologicamente o cérebro e até afeta a o processamento visual e da linguagem. Escrever dentro da norma culta de uma língua requer, além da proficiência em leitura, o uso da criatividade, memorização de regras arbitrárias e de irregularidades. Ainda assim, em pessoas com mais de duas décadas de ensino formal, falhas acontecem. Na verdade, se a pessoa escreve com freqüência e em volume, acontecem aos montes. Mas essa dificuldade torna o domínio da escrita a habilidade mais importante que se aprende na escola?

Antes de responder, sejamos reducionistas. A escrita, mesmo para fins literários, é uma ferramenta. Das mais poderosas inventadas, mas uma ferramenta. Uma ferramenta que se deve ter acesso universal, no mínimo, em sua língua nativa. E que faz toda a diferença para o indivíduo e proporciona disponibilidade a todo o conhecimento da humanidade. Uma pessoa escolarizada hoje, mesmo não sendo genial, poderia ensinar Leonardo Da Vinci um bocado.

Mas não é da escrita que se deriva todo o conhecimento da humanidade. A Teoria da Gravitação Universal de Newton, a Teoria da Relatividade, Mecânica Quântica, Síntese Evolutiva Moderna , Teoria da Computação, Internet e as muitas outras conquistas de nosso cérebro primata agigantado não são produtos apenas da escrita. Sem matemática, experimentação, formulação de hipóteses, criatividade não-verbal, capacidade bruta de cálculo no cérebro, a escrita não seria suficiente para chegarmos ao nível tecnológico corrente. Teríamos, no máximo, filosofia e literatura ruins. A realidade é que nem toda a instrução escolar é voltada para o aperfeiçoamento da escrita e, apesar disso, alunos se formam, vão para a universidade e viram cientistas/profissionais de sucesso sem saber exatamente onde se coloca o hífen ou sempre acertando como se escreve "exceção". Mais ainda: alguns nem tem problema em admitir isso.

E para procurar/manter um emprego? Acho que não é necessário ensinar a ninguém a usar o corretor ortográfico antes de enviar um curriculum vitae. E duvido que uma empresa de engenharia demita/deixe de contratar um bom engenheiro porque ele escreveu "vedassão" em um relatório.

Exceto se ela for dirigida por  um jornalista do tipo que brada indignação com erros ortográficos.


“God, don't they teach you how to spell these days?"
"No," I answer. "They teach us to use spell-check.” 
― Jodi Picoult

2013-03-26

Ato um: caos na ortografia

Se todo mundo começar a escrever como quiser, ninguém vai mais se entender.

Esse argumento se baseia na premissa de que existe a possibilidade que a totalidade, ou uma boa maioria, vai escrever como der na telha. Ainda que seja uma possibilidade lógica, não há evidências de que já tenha ocorrido no passado. Também não se sabe quais as condições em que essa anarquia ortográfica poderia acontecer. Talvez: 1) uma maioria se rebela contra a ortografia da classe dominante e passa a utilizar formas diferentes o tempo todo?; 2) uma amnésia ortográfica coletiva se instaura, acompanhada do desaparecimento de todos os registros escritos, e a população precisa criar uma nova ortografia? O primeiro cenário talvez dê um argumento para um comic book que um dia vai virar um filme. O segundo certamente dá um livro do Saramago. Nenhum deles é realístico.

Também assume-se que a ortografia das línguas sempre foi bem definida, um conjunto de regras claras, uma lista oficial, quase sem variação. Se não, como as pessoas se entendiam? Para não ficar muito cansativo, vou contar uma história (porque miojo todo mundo já sabe preparar).

A espécie humana em sua fisiologia moderna tem cerca de 200 mil anos, i.e., já possuíamos capacidade para a fala há 200 mil anos. A origem das primeiras línguas já é um problema mais difícil porque a fala não deixa traço material no ambiente. A estimativa mais atual sobre essa origem coloca as primeiras línguas entre entre 350-150 mil anos atrás (Perreault & Mathew 2012). A escrita, do tipo que codifica palavras e não apenas números, surgiu aproximadamente em 3200 AEC, i.e., tem uns 5,2 mil anos. Já da escrita alfabética encontram-se os primeiros indícios em 2700 AEC. Finalmente, dicionários no formato atual só surgiram em 1690 e 1755 para o francês e inglês, respectivamente.

O fato é que na quase totalidade da história do primata pelado que saiu das savanas africanas não existiu nem escrita e muito menos escrita com ortografia padronizada. Ainda assim, Roma caiu, o antigo e novo testamentos foram escritos (e reescritos) e Shakespeare nos deu Romeu e Julieta. Tudo isso sem dicionário ou corretor ortográfico! 

Claro, as variações nunca foram aleatórias ou para toda palavra possível. Não era que todo autor criasse caprichosamente uma ortografia, independente de listas oficiais ou da polícia ortográfica que faz plantão 24 por 7 nas redes sociais. Tente, por exemplo, escrever 'banana' com outra ortografia. Já com 'trouxe' rapidamente é possível gerar trousse, trouce, trouxce. A realidade é que 'trouxe' é a forma dicionarizada por acidente histórico, não pela lógica da língua ou qualquer explicação post hoc possível.

Padronização ortográfica é inegavelmente uma necessidade moderna, especialmente para o ensino em massa (nem tanto para busca na internet). Mas a ausência de padronização rígida não implicou em incompreensão generalizada e não parece haver evidências de que possa implicar no futuro. Depois do dicionário, não voltaremos aos bons tempos (exceto para os revisores) de uma pequena liberdade ortográfica. Erros ortográficos previsíveis de jovens em idade escolar produzindo um texto sob pressão e sem corretor ortográfico não são um sintoma de que a língua está ficando incompreensível nem são uma ameaça à sociedade judaico-cristã ocidental capitalista. Uma pena.



"It is a damn poor mind that can think of only one way to spell a word."
- Andrew Jackson

2013-03-25

O erro de ortografia e o colapso da sociedade judaico-cristã ocidental capitalista

Notícias sobre o ENEM viraram uma rotina desinteressante da imprensa. São louváveis quando denunciam as tentativas de fraude, exageradas quando encontram provas trocadas, conspiratórias quando caçam redações que têm gracinhas e, ainda assim, conseguem alguma nota.

Em 2013, o bolo da cereja das matérias sobre o ENEM foram as redações com nota máxima e as formas rasoavel, enchergar, trousse. O Estadão, citando opiniões de especialistas que apontam o suposto problema, conclui:


"E como aceitar que alguém que tenha 'excelente domínio das estruturas da língua portuguesa' cometa erros gramaticais primários? As autoridades se esquecem de que, se continuarem sendo lenientes com deformações da língua portuguesa, o ensino formal não tem mais sentido. Se elas continuarem tolerando erros gramaticais primários, para que serve, então, a escola?" - O Estado de São Paulo - Opinião - 2013-03-20


Também o comentarista conservador Reinaldo Azevedo mostra sua indignação:


"'trousse', 'enchergar' e 'rasoavel' não são variantes linguísticas nem segundo as considerações dos aloprados do 'nós pega os peixe'. Vai bem a escolinha do professor Mercadante." - Blog do Reinaldo Azevedo. Acessado em 2013-03-24.


Críticas sem substância? Concordo. Podem procurar nas indignações banais do Facebook, nos comentários ao artigo do Reinaldo Azevedo, nos editoriais da imprensa escrita e o que irão encontrar é apenas indignação e crítica/xingamento ao governo e ao Partido dos Trabalhadores. O porquê de tais formas serem absurdas, inadmissíveis, erros grosseiros, uma afronta à língua, nunca é explicitado com argumentos empíricos. No caso do ENEM 2012, o insulto adicional aos indignados é porque redações com 'trousse' et alii recebeu nota máxima da banca, nota entendida como reservada a textos sem falhas, ou com falhas mínimas (só não me perguntem como definir a gravidade da falha).


A noção de que nota máxima deve ser reservada para a perfeição, chocantemente, não é um fetiche universal. Ela não é regra nas melhores universidades americanas, nas universidades francesas ou na Universidade de Brasília. A idéia por trás de sistemas de conceitos discretos, em oposição a valores contínuos de zero a dez/cem/mil, é reconhecer o mérito, ainda que com pequenas falhas. Pode ser visto também como reconhecimento que sistemas biológicos, como o cérebro humano, falham até nos seus melhores exemplares.


Já a noção de erro grosseiro para 'trousse' e seus colegas xucros é mais pervasiva. Indignar-se com essas formas passa até por bom senso (ou seria senso comum? Nunca consegui distinguir um do outro) numa conversa informal:

Madama 1: Menina, cê viu o absurdo da redações do ENEM com erros horrorosos que tiraram nota máxima?
Madama 2: Eu vi, amiga. Fiquei pasma! Se fosse filho meu, pedia pra baixarem a nota.

Os argumentos para justificar a indignação pública, quando existem, são:


  1. Se todo mundo começar a escrever como quiser, ninguém vai mais se entender.
  2. A escola não serve pra nada se esses erros não forem punidos.
  3. São erros primários. Esses erros mostram que o aluno não sabe escrever direito.
  4. A língua portuguesa precisa ser respeitada. Esses erros são inaceitáveis e corrompem/deturpam/violentam a língua.
  5. Se ele cometer esse tipo de erro não vai conseguir emprego.

Há variações e outros argumentos mais exóticos, mas vamos assumir que esses são os argumentos mais freqüentes (um chute, eu assumo) dos indignados cidadãos (ões?) de bom senso que pagam seus impostos e respeitam as leis. E a ortografia.

Já devem imaginar por qual via argumentarei, certo? O que garanto é que será com fatos e dados, não clamor indignado ou ataques ao governo.

Continua...

2013-03-20

É a religião, estúpido.

Decidi me render aos temas correntes. A burocracia é chata demais e a vida é uma só. A pauta é Marco(s?) Feliciano e o papa. Na verdade, a pauta é religião: pra quem quer e pra quem não quer.

A eleição do papa lembrou a quem não estava prestando atenção que a principal seita cristã, com mais de um bilhão de membros mais ou menos ativos, tem princípios retrógrados e líderes homofóbicos e preconceituosos. Concedo que nem todos os católicos concordem com seu lider, mas deve ser uma minoria silenciosa. Ou que se diz parcialmente católica. Ou que não leva a coisa toda muito a sério, exceto pela crença no designer supremo e um gosto compatilhado dos eventos sociais (particularmente difíceis de serem suportados sem comida ou álcool por ateus). São todas opções melhores que catolicismo pleno. Ainda assim, inferindo pelo tempo de TV e volume de notícias da última semana, muita gente se importa o bastante com escolha do líder que se diz infalível.

Já o líder de outra seita, o pastor Feliciano, vem sendo notícia por ser assumidamente homofóbico e preconceituoso. Na verdade, ninguém se importaria muito se ele não tivesse sido eleito presidente de uma comissão parlamentar que trata da defesa de minorias e direitos humanos. Como não é o líder máximo de uma seita tão poderosa como a católica, poucos se arriscam a defendê-lo publicamente. Ou talvez seja porque não usa cetro e capa, difícil ter certeza.

Os que não se sentem representados pelo papa Francisco ou pelo pastor Feliciano desviam o foco do problema: o filho do hômi não faria assim, que eles não são verdadeiros cristãos, que as seitas estão todas corrompidas e distantes da verdade divina, que o manual está sendo interpretado incorretamente, blablabla. É um interessante jogo de imaginação: o que JC realmente faria, como seriam esses cristãos puro sangue, como seria a mais pura das seitas, e se interpretassem o manual corretamente (boa sorte). Não por acaso, esse momento perfeito parece ter acontecido unicamente há dois milênios, e ainda assim assumindo que o manual está factualmente correto. Depois desse momento mágico, conquistas sangrentas, imposição da fé, torturas, execução na fogueira, pedofilia e discriminação foram algumas das ações praticadas, apoiadas, protegidas  ou acobertadas por líderes católicos. Já as outras seitas não têm uma história tão maculada e há até algumas que não tem nenhum problema se os fiéis ou pastores forem gays. A Wikipedia tem uma lista de denominações LGBT friendly.

Mas seriam, no fundo, tão diferentes? Os princípios são similares: crença num ser sobrenatural e que rege (caprichosamente) o universo, código moral rígido, fé. Com esses princípios e um manual escrito e remendado por séculos (e que se publicado hoje venderia menos que um jornal de segunda-feira), todo o tipo de preconceito e violência podem ser justificados. Ou condenados. Como saber quem está certo? Por sorte, as sociedades modernas conquistaram aos poucos o estado laico e adotam uma moralidade guiada por instinto (só um pouco), justiça social, compreensão do mundo natural. Rejeitar ou esquecer que existe um Capo di tutti capi pode não ser confortável para a maioria. Mas esse conforto tem sido o preço de eleger o Feliciano e legitimar o papa.

Alto demais.

2013-03-18

As dez razões para se comprar um iPad para os burocratas

1 - iPads são chiques. O brasileiro tem de deixar de lado a síndrome de vira-lata. Por quê temos de ficar eternamente com produtos de nomes obscuros, mais baratos e sem nenhum glamour? O burocrata brasileiro, que, como princípio geral, não precisa ter competência técnica pro seu cargo comissionado, merece o melhor tablet possível do mercado. Mostrarei porque o iPad é o melhor tablet do mercado.

2 - iPads têm uma tela maravilhosa. E como nossos burocratas vão usar justamente pra visualizar gráficos feitos no Microsoft Excel com altíssima resolução, a tela do iPad é um must.

3 - iPads vêm na cor branca. Sei que o motivo parece fútil, mas só para os que não entendem do assunto. A cor branca do iPad vai refletir mais luz solar e o iPad vai esquentar menos. O branco também combina com o branco dos carros oficiais e da camisa dos burocratas. Questão de identidade visual, essencial para as organizações do mundo globalizado do terceiro milênio.

4 - iPads obedecem comandos de voz em inglês com o Siri (o acento é na primeira sílaba). Os desinformados podem não saber, mas, com o Ciência sem Fronteiras, a ordem do dia é falar inglês. Como os estudantes não estão aprendendo inglês do dia pra noite como quer o governo, os burocratas vão aprender na marra. Ou falam inglês ou o iPad não funciona! Fair enough.

5 - iPads têm sistema operacional proprietário. Esse motivo não é muito intuitivo, eu assumo, mas vamos lá. Esqueçam toda essa história de software livre, o Portal do Software Público. Ninguém aguenta mais essa mania ridícula de alguns órgãos públicos de usar Open Office só pra não comprar os aplicativos da Microsoft. Quando me falam em usar Skype pra economizar na conta telefônica, dá vontade de esfaquear, metaforicamente, a mandíbula do camarada. Um sistema operacional proprietário não irá permitir que engraçadinhos do setor de informática do governo personalizem ou aperfeiçoem o sistema operacional ou uso dos tablets. Muito menos lançar aplicativos que não sejam aprovados pela Apple. Um sistema operacional proprietário garante que tudo funcione sem erros, ou só com os erros que a Apple permitir, o que é especialmente importante porque ninguém vai assumir qualquer erro, claro. Last, but not least, não há o risco da Apple começar a ficar mal das pernas e iPads virarem itens de museu. A idéia acertada é colocar todas as fichas no equipamento proprietário de uma única empresa e ter fé porque deus é brasileiro, ainda que o procurador dele seja argentino.

6 - iPads não possuem armazenagem externa, i.e., cartões de memória. "Mas cartão de memória não seria uma boa?", um leigo argumentaria. Nananimnanão. Cartão de memória requer uma abertura no equipamento. Toda a elegância, design, beleza suprema do iPad seria arruinada por um buraco fora do lugar que serviria para acumular poeira. E já viram a poeira vermelha de Brasília? Com as conexões 4G e wi-fi disponíveis em qualquer lugar no Brasil, a transferência de vários Gigabytes de dados pode ser feita muito mais rapidamente via rede do que os cinco segundos gastos para trocar um cartão de memória. Totally future proof.

7 - iPads não podem ter aplicativos pornográficos. Internet e pornografia é o elefante na sala de jantar mais pervasivo da modernidade. Como homens ainda são maioria em cargos comissionados no serviço público, seria impossível evitar que um ou outro utilizasse os tablets funcionais para ajudar a aliviar o estresse pós-reunião. Mas não com um iPad. Vão ter de se contentar com seus dispositivos pessoais Android de segunda classe. Nem adianta tentar usar o browser porque os sites em Flash não vão funcionar. Supostamente.

8 - iPads têm mais e melhores jogos. Mas pra quê jogos em tablets corporativos? Para explicar esse ponto é necessário revelar aos contribuintes o que é uma obviedade para os burocratas: reuniões de trabalho entre burocratas são longas e entediantes. Nos piores casos, e nessas é que os jogos serão essenciais, um burocrata fala, apresenta slides de Powerpoint e os outros fingem que escutam, mas, no fundo, não têm o menor interesse pelo que o outro tem a dizer. Assim, esses que escutam precisam de uma atividade durante a reunião ou correm o risco de ter morte neuronal, pela ausência de uso do cérebro por períodos prolongados, e de sofrerem lesões músculo-esqueléticas causadas por adormecimento repentino em posição desconfortável. No passado, palavras cruzadas, desenhos e textos variados eram as atividades mais populares. Com um tablet, todas essas opções estarão disponíveis e mais GTA IV, Need for Speed, Angry Birds, etc. Com um iPad será possível ter uma plataforma que estimule memória, coordenação motora, atenção e o que for mais preciso para manter a saúde mental do burocrata durante uma carreira de intermináveis reuniões.

9 - iPads têm a tela altamente refletiva. Esse é uma razão assumidamente fútil, em grande parte, mas não totalmente. Um tablet com tela reflexiva pode servir de espelho mesmo sem energia. Para aqueles momentos em que é necessário retocar a maquiagem, ajeitar o penteado. Pra quê perder tempo indo ao banheiro ou pegando o espelho na bolsa. O tablet já está lá, vá em frente e use-o para garantir que a gravata está no lugar e que o rímel não está borrado. Aparência é tudo, não é o que dizem?

10 - iPads têm um cabo de energia exclusivo e incompatível com qualquer outro tablet do mercado, incluindo iPads anteriores. Novamente uma aparente desvantagem que é uma vantagem. Um cabo exclusivo significa, em primeiro lugar, exclusividade. Já vimos na razão 5 a importância do contribuinte pagar para que os burocratas utilizem um tablet de sistema proprietário e fechado. Nada mais natural que esse monopólio de fornecedor se estenda até os cabos de energia. Não dá pra que qualquer cabo possa ser plugado num lindo iPad de última geração. Imaginem um tablet em que o cabo de alimentação seja facilmente substituível ou, o horror, possa ser compartilhado com outros aparelhos como celulares corporativos. Tal cabo compartilhado poderia transmitir até vírus ou sabe-se lá o quê mais. Melhor não arriscar.


2013-03-17

Pra fechar: mais razões para se gastar mais com iPads

7 - iPads não podem ter aplicativos pornográficos. Internet e pornografia é o elefante na sala de jantar mais pervasivo da modernidade. Como homens ainda são maioria em cargos comissionados no serviço público, seria impossível evitar que um ou outro utilizasse os tablets funcionais para ajudar a aliviar o estresse pós-reunião. Mas não com um iPad. Vão ter de se contentar com seus dispositivos pessoais Android de segunda classe.

8 - iPads têm mais e melhores jogos. Mas pra quê jogos em tablets corporativos? Para explicar esse ponto é necessário revelar aos contribuintes uma obviedade para os burocratas: reuniões de trabalho entre burocratas são longas. Nos piores casos, e nessas é que os jogos serão essenciais, um burocrata fala, apresenta slides de Powerpoint e os outros fingem que escutam, mas, no fundo, não têm o menor interesse pelo que o outro tem a dizer. Assim, esses que escutam precisam de uma atividade durante a reunião ou correm o risco de ter morte neuronal, pela ausência de uso do cérebro por períodos prolongados, e de sofrerem lesões músculo-esqueléticas causadas por adormecimento repentino em posição desconfortável. No passado, palavras cruzadas, desenhos e textos variados eram as atividades mais populares. Com um tablet, todas essas opções estarão disponíveis e mais GTA IV, Need for Speed, Angry Birds, etc. Com um iPad será possível ter uma plataforma que estimule memória, coordenação motora, atenção e o que for mais preciso para manter a saúde do burocrata durante uma carreira de intermináveis reuniões.

9 - iPads têm a tela altamente refletiva. Esse é uma razão assumidamente fútil, em grande parte, mas não totalmente. Um tablet com tela reflexiva pode servir de espelho mesmo sem energia. Para aqueles momentos em que é necessário retocar a maquiagem, ajeitar o penteado. Pra quê perder tempo indo ao banheiro ou pegando o espelho na bolsa. O tablet já está lá, vá em frente e use-o para garantir que a gravata está no lugar e que o rímel não está borrado.

10 - iPads têm um cabo de energia exclusivo e incompatível com qualquer outro tablet do mercado, incluindo iPads anteriores. Novamente uma aparente desvantagem que é uma vantagem. Um cabo exclusivo significa, em primeiro lugar, exclusividade. Já vimos na razão 5 a importância do contribuinte pagar para que os burocratas utilizem um tablet de sistema proprietário e fechado. Nada mais natural que esse monopólio de fornecedor se estenda até os cabos de energia. Não dá pra que qualquer cabo possa ser plugado num lindo iPad de última geração. Imaginem um tablet em que o cabo de alimentação seja facilmente substituível ou, o horror, possa ser compartilhado com outros aparelhos como celulares corporativos. Tal cabo compartilhado poderia transmitir até vírus ou sabe-se lá o quê mais. Melhor não arriscar.

2013-03-14

Há esperança?

Local: Livraria de Shopping numa metrópole brasileira
Data: 2013-03-14 E.C. 

Duas adolescentes de 17 anos saltitam pelos corredores da livraria. Nenhuma segura '50 tons de cinza'. Na seção de literatura brasileira, sem cara de nojo e sem hesitação, uma pega um livro da seção de autores de sobrenome começando em M. 

Teen 1: eu AMO Machado de Assis. 
Teen 2: eu tb adooooro Machado de Assis. 
Teen 1: tem gente que num gosta, né? 
Teen 2: como pode né? 

Pelo rosto da professora de literatura recém formada e ainda não embotada pelo Prozac, desce uma lágrima.

2013-03-12

Mais três razões pro contribuinte pagar por iPads

Mais três razões para garantir que os burocratas brasileiros tenham iPad.

4 - iPads obedecem comandos de voz em inglês com o Siri (o acento é na primeira sílaba). Os desinformados podem não saber, mas, com o Ciência sem Fronteiras, a ordem do dia é falar inglês. Como os estudantes não estão aprendendo inglês do dia pra noite como quer o governo, os burocratas vão aprender na marra. Ou falam inglês ou o iPad não funciona! Fair enough.

5 - iPads têm sistema operacional proprietário. Esse motivo não é muito intuitivo, eu assumo, mas vamos lá. Esqueçam toda essa história de software livre, o Portal do Software Público. Ninguém aguenta mais essa mania ridícula de alguns órgãos públicos de usar Open Office só pra não comprar os aplicativos da Microsoft. Quando me falam em usar Skype pra economizar na conta telefônica, dá vontade de esfaquear, metaforicamente, a mandíbula do camarada. Um sistema operacional proprietário não irá permitir que engraçadinhos do setor de informática do governo personalizem ou aperfeiçoem o sistema operacional ou uso dos tablets. Muito menos lançar aplicativos que não sejam aprovados pela Apple. Um sistema operacional proprietário garante que tudo funcione sem erros, ou só com os erros que a Apple permitir, o que é especialmente importante porque ninguém vai assumir qualquer erro, claro. Last, but not least, não há o risco da Apple começar a ficar mal das pernas e iPads virarem itens de museu. A idéia acertada é colocar todas as fichas no equipamento proprietário de uma única empresa e ter fé porque deus, e quem sabe o papa, é brasileiro.

6 - iPads não possuem armazenagem externa, i.e., cartões de memória. "Mas cartão de memória não seria uma boa?", um leigo argumentaria. Nananimnanão. Cartão de memória requer uma abertura no equipamento. Toda a elegância, design, beleza suprema do iPad seria arruinada por um buraco fora do lugar que serviria para acumular poeira. E já viram a poeira vermelha de Brasília? Com as conexões 4G e wi-fi disponíveis em qualquer lugar no Brasil, a transferência de vários Gigabytes de dados pode ser feita muito mais rapidamente via rede do que os cinco segundos gastos para trocar um cartão de memória. Totally future proof.

Unintended consequences


Depois que se coloca uma idéia, um texto na web, diga adeus ao seu propósito original.

Claro, a maioria dos usos do que você jogou ao mundo será inofensivo, inútil. Algumas vezes o autor ou idéia serão ridicularizados, possivelmente elogiados. Pode inflar seu ego, te deixar fulo, mas nada que você não soubesse ou pudesse prever antes. O que deixa o camarada querendo se jogar da ponte mesmo é o uso para o mal (por alguém mau), o uso pra foder com alguém, ou pior, foder um monte de gente. Resta sentar, chorar e lamentar? É uma opção. A minha é mudar de lado e ajudar a piorar um pouco. Explico.

Mesmo com meia dúzia de visitas por dia, o Blogger gera estatísticas de acesso ao blog e por qual tipo de busca o encontram. A maioria é puramente preguiça das pessoas de escrever ou lembrar o nome do blog. O meu momento de espanto foi encontrar nos dados de acesso alguém que chegou ao blog procurando por: "justificar aquisiçao técnica do iPad". Eu estava comentando exatamente  o contrário: por quê comprar especificamente um iPad e não de qualquer outra marca que atenda à função do que ser com um tablet? Por que não fazer a especificação do que se precisa de fato e deixar que o mercado ofereça o melhor produto ao contribuinte?

Mas eu desisti disso. O burocrata brasileiro, especialmente o que ganha mais, é fútil, não gosta da lei de licitações, e quer ter sua vontade obedecida a qualquer custo (antes que perguntem: não, não há exceções). Vou ajudá-lo então. Quem sabe sobra uma boquinha pra mim, né? Venha a mim o burocrata preguiçoso, que quer agradar o "chefe" e colocar com força na parte traseira do contribuinte. As dez razões para que o governo compre iPads. Eis as primeiras três:

1 - iPads são chiques. O brasil tem de acabar com a síndrome de vira-lata. Por quê temos de ficar eternamente com produtos de nomes obscuros, mais baratos e sem nenhum glamour. O burocrata brasileiro, que, via de regra não precisa ter competência técnica pro seu cargo comissionado, merece o melhor tablet possível.

2 - iPads têm uma tela maravilhosa. E como nossos burocratas vão usar justamente pra visualizar gráficos feitos no Microsoft Excel com altíssima resolução, a tela do iPad é um must.

3 - iPads vêm na cor branca. Sei que o motivo parece fútil, mas só para os que não entendem do assunto. A cor branca do iPad vai refletir mais luz solar e o iPad vai esquentar menos. O branco também combina com o branco dos carros oficiais e da camisa dos burocratas. Questão de identidade visual, essencial para as organizações do mundo globalizado do terceiro milênio.

No próximo post, mais razões para comprar o iPad para um órgão público. Segura essa Samsung.


Santo iPad.