2013-03-28

Ato dois: a escrita reina

A escola não serve pra nada se esses erros não forem punidos.

Se ele cometer esse tipo de erro não vai conseguir emprego.

Muitos professores de língua portuguesa adorariam que estes argumentos fossem verdadeiros. Fariam o professor de português ser o rei dentro de uma escola. Também o tornariam co-responsável pela existência da escola e do futuro de seus alunos. Jamais ficariam desempregados e teriam ótimos salários.

Ambos argumentos exageram a importância da capacidade de dominar em minúcia a norma culta escrita da língua. No extremo é considerar o conhecimento da norma como o grande aprendizado que se leva dos anos de escolarização. Mas até que ponto o domínio da modalidade escrita da língua é o ápice da educação formal?

Não é difícil entender a ênfase da escolarização no aprendizado da leitura e escrita. O domínio da língua escrita não é um processo natural como falar e andar. O processo de letramento de uma criança ou adulto precisa de instrução explícita e anos de treino. É um processo intenso e complexo que altera morfologicamente o cérebro e até afeta a o processamento visual e da linguagem. Escrever dentro da norma culta de uma língua requer, além da proficiência em leitura, o uso da criatividade, memorização de regras arbitrárias e de irregularidades. Ainda assim, em pessoas com mais de duas décadas de ensino formal, falhas acontecem. Na verdade, se a pessoa escreve com freqüência e em volume, acontecem aos montes. Mas essa dificuldade torna o domínio da escrita a habilidade mais importante que se aprende na escola?

Antes de responder, sejamos reducionistas. A escrita, mesmo para fins literários, é uma ferramenta. Das mais poderosas inventadas, mas uma ferramenta. Uma ferramenta que se deve ter acesso universal, no mínimo, em sua língua nativa. E que faz toda a diferença para o indivíduo e proporciona disponibilidade a todo o conhecimento da humanidade. Uma pessoa escolarizada hoje, mesmo não sendo genial, poderia ensinar Leonardo Da Vinci um bocado.

Mas não é da escrita que se deriva todo o conhecimento da humanidade. A Teoria da Gravitação Universal de Newton, a Teoria da Relatividade, Mecânica Quântica, Síntese Evolutiva Moderna , Teoria da Computação, Internet e as muitas outras conquistas de nosso cérebro primata agigantado não são produtos apenas da escrita. Sem matemática, experimentação, formulação de hipóteses, criatividade não-verbal, capacidade bruta de cálculo no cérebro, a escrita não seria suficiente para chegarmos ao nível tecnológico corrente. Teríamos, no máximo, filosofia e literatura ruins. A realidade é que nem toda a instrução escolar é voltada para o aperfeiçoamento da escrita e, apesar disso, alunos se formam, vão para a universidade e viram cientistas/profissionais de sucesso sem saber exatamente onde se coloca o hífen ou sempre acertando como se escreve "exceção". Mais ainda: alguns nem tem problema em admitir isso.

E para procurar/manter um emprego? Acho que não é necessário ensinar a ninguém a usar o corretor ortográfico antes de enviar um curriculum vitae. E duvido que uma empresa de engenharia demita/deixe de contratar um bom engenheiro porque ele escreveu "vedassão" em um relatório.

Exceto se ela for dirigida por  um jornalista do tipo que brada indignação com erros ortográficos.


“God, don't they teach you how to spell these days?"
"No," I answer. "They teach us to use spell-check.” 
― Jodi Picoult

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