2012-01-25

O quanto - parte 1

A burocracia brasileira ainda precisa ser mais profissionalizada, mais meritocrática e transparente, mas já há iniciativas louváveis a favor da transparência. Uma das minhas favoritas é o Portal da Transparência, que disponibiliza dados de receitas, despesas, convênios, empresa inidôneas e suspensas para contratar com órgãos do governo e informações sobre os servidores do Executivo Federal. Pelo portal é possível listar todos os servidores ativos por órgão de exercício, lotação, função ou cargo de confiança e nome. O que vai interessar aqui serão os dados dos servidores em exercício na CAPES. Os dados não são online, mas tem atualização frequente e origem confiável.

Em exercício na CAPES, há, hoje, 201 analistas e 98 assistentes, i.e. dois analistas para cada assistente. Minha percepção (talvez a de outros colegas) é a de que deveria ser algo do tipo 1:2, dada a natureza do trabalho atual e a do que os dirigentes desejam. Mas como comparar? Uma possibilidade é comparar a proporção da CAPES com a proporção da carreira de Ciência e Tecnologia no total. Desta vez, o Ministério do planejamento já fornece os dados diretamente: 1811 analistas e 3581 assistentes, i.e., 1 analista para 2 assistentes. A preferência da CAPES por essa diferença na proporção é blessing ou curse? E pra quem? More later.

2012-01-20

Sobre o trabalho na CAPES


Um parágrafo do artigo de Ronaldo Mota para o Jornal da Ciência de 18/01/2012 sobre concursos públicos tocou numa das minhas obsessões:

“[...]
O que presenciamos muitas vezes é um cenário de adolescência prolongada, onde parte significativa dos formandos e formados, que deveriam dar espaços às inúmeras oportunidades de expressar seus talentos e transformar suas ideias em empresas, finda sustentando uma indústria de cursos preparatórios para concursos públicos. Na prática, somente um percentual mínimo logra aprovação, em geral no Executivo em carreiras menos atrativas e na maioria das vezes em nível médio. Resultado, mesmo aqueles aprovados se frustram, salvo honrosas exceções, e muitas vezes se recusam a realizar as tarefas para as quais foram selecionados. Vários gastam o tempo, inclusive do expediente, para se preparar, numa roda-viva infinda, para outros concursos em setores supostamente mais atraentes do Legislativo ou Judiciário.”

O artigo completo é interessante e vale dois minutos de leitura. O contato com a minha obsessão foi com um dos problemas que a maioria dos dirigentes da CAPES se recusa a encarar: a ausência de distinção entre o trabalho de assistentes e analistas. Na verdade, muitas vezes não há diferença nem com o trabalho de colaboradores terceirizados de nível médio.

Todos ficam frustrados: o assistente julga que ganha pouco para o que faz e que tem um nível de responsabilidade além do exigido pelo cargo. A ascensão na carreira é mínima e, mesmo tendo atribuições similares ao dos analistas, é sistematicamente preterido para cargos de confiança. Como a maioria já tem diploma de nível superior, o sentimento de injustiça só aumenta.

Já o analista não tem seu trabalho valorizado e não tem tempo para desenvolver nada além do mínimo porque tem de escrever memorandos bestas, ofícios e tramitar documentos, tarefas que as secretárias não fazem porque têm de servir café aos coordenadores gerais e diretores. Também há a operação de sistemas de pagamento arcaicos, emissão de passagens e por aí vai. A frustração pessoal talvez seja maior: mesmo tendo o mérito de ter sido aprovado no concurso mais difícil, a única recompensa é a financeira. Compra-se o conforto para as horas fora do escritório, mas a diferença é quase irrelevante em um terço de sua existência.

Parece que não importa que haja diferença salarial entre os cargos (i.e. diferença de custo para o contribuinte): a ausência de divisão racional das tarefas é mantida em nome de tradição, inércia, amizade, mudança iminente (que nunca acontece), suposta impossibilidade de mudança (também conhecida por medo). As desculpas são tão numerosas quanto os reais desperdiçados. Como a maioria está pensando num emprego melhor (com razão) ou em agradar dirigentes por um DAS (o caminho tradicional), ninguém se importa muito com o assunto e acha que é mais fácil que tudo continue assim porque ninguém sozinho vai "mudar o sistema".

Não vai e nem precisa. Basta exigir um pouco de respeito ao dinheiro do contribuinte: o camarada que ganha mais e passou num concurso mais exigente deve realizar um trabalho mais complexo e de maior responsabilidade. É para e por isso que ele ganha mais. E nem venham com o argumento da experiência: não tenho nenhuma evidência de que 20 anos de experiência sejam equivalentes às exigências de um cargo diferente. Não é a toa que inexiste a possibilidade de mudança de cargo sem concurso público. Não é por acaso a diferença salarial significativa entre as carreiras. Não é desprezível que existam carreiras diferentes.

Mais fácil falar do que fazer? Provavelmente. Mas fazer é tão difícil? Não. O fazer é exigir, como servidor público responsável, a boa aplicação do dinheiro do contribuinte. Também exigir e querer mais responsabilidades. Exigir sua assinatura em documentos que exijam um mínimo de análise e não ser ghost writer de coordenadores que têm preguiça de escrever (dizem que é falta de tempo, claro). Exigir que sua opinião seja registrada e conhecida. Trocar, nem que seja de vez em quando, o sossego tedioso por uma discussão profissional. Em suma: exigir que sua opinião e seu trabalho contem, ainda que a opinião seja dissonante e o trabalho diferente das fórmulas que agradam.

Infelizmente sempre haverá trabalhos banais para todos: é inevitável com as exigências da burocracia brasileira e do baixo nível de informatização. Mas pode melhorar bastante, pode mudar sem que precise mudar a estrutura da CAPES ou que um planejamento estratégico seja executado. Achar que se deve esperar por momentos de estabilidade, de menor volume de demandas, de mudanças de dirigentes é inútil e ingênuo. A estabilidade nunca acontece, as demandas sempre se acumulam e são imprevisíveis e ninguém consegue prever a mudança de dirigentes. A solução? Começar, sem hesitação a desconstruir o status quo, a tradição, as desculpas esfarrapadas. O serviço público da amizade, da troca de favores e do privilégio está acabando, vai acabar. E qualquer empurrão, qualquer incômodo vai ajudar.