2013-06-12

Dilma Roussef e o estilo de gerência da burocracia brasileira

Matéria bonitinha (e ordinária) da Folha de São Paulo fala das visitas da presidenta Dilma Roussef à cabine do avião da presidência da república. Segundo a reportagem, a presidenta, por não gostar de turbulência em seus vôos, palpita sobre a rota do avião, quer saber sobre os instrumentos, cartas meteorológicas, formato das nuvens e tudo mais. E quando, ainda assim, o vôo tem alguma turbulência, aciona um botão para avisar ao comandante do vôo que não gostou do sacolejo: uma bronca eletrônica. No fim, até o comandante, o tenentente-brigadeiro-do-ar Francisco Joseli Parente Camelo, ri (amareladamente?) das exigências da presidenta. Como não rir? Ela é mandona mesmo, é o estilo dela, né?

Um observador externo, e que desconhecesse a burocracia brasileira e sua história, poderia pensar que o comportamento da presidenta é uma excentricidade, um caso isolado, um traço de personalidade. Espantosamente, uma jornalista que comenta sobre política no Brasil dá o mesmo tratamento de exceção. A única diferença é que a jornalista, para não perder a sua viagem, lembra que as viagens da presidenta custam mais para o contribuinte. Mas essa ressalva ao comportamento provavelmente nem vai gerar indignações ou uma resposta da presidência da república. Nem mesmo eu vou dar qualquer pelota para o gasto maior. Talvez até conseguisse defender a presidenta se ganhasse para isso. O mais relevante no comportamento supostamente atípico da presidenta é o que ele representa, o que ele exemplifica.

Para entender o que o comportamento exótico da presidenta, mas aceitável, representa, vamos continuar com a perspectiva do observador externo. O piloto do avião é um oficial de carreira da aeronáutica e no topo da hierarquia meritória (ou quase lá). É um piloto experiente a quem se confia a integridade física da presidenta, ministros, secretários de estado, assessores (o próprio piloto tem o cargo de secretário de estado). Seu treinamento e carreira custou milhões de reais ao contribuinte. Possui os requisitos de competência, experiência e responsabilidade para o cargo. Ainda assim, ele é micro-gerenciado por uma chefe sabichona e tratado, essencialmente, como o estagiário que vira o bode expiatório quando qualquer problema besta acontece (a turbulência).

Já a presidenta sabichona que não gosta de ser contrariada e, justificada por um suposto estilo pessoal (se ela não tivesse um cargo seria "gênio difícil"), prefere desconsiderar todas as qualificações do comandante do avião oficial porque "não gosta de turbulência". Não é suficiente ter pedido uma ou duas vezes que ele, por favor, tentasse evitar turbulências. É necessário verificar pessoalmente o que ele está fazendo para evitar turbulências. Alternativas como deixar pra lá a turbulência, como ela fazia quando não usava avião oficial, não são mais uma possibilidade. Que tal um calmante para relaxar ou fazer uma terapia para superar o medo de turbulência? Sem chance. Mais fácil mandar porque pode mandar, independente de conhecimento técnico, do ônus para o contribuinte, da qualificação do piloto. E como o cargo do piloto não depende só de qualificações, é fácil arranjar outro que queira ter um salário que supera o da presidenta. O capricho de não arriscar que o suco de laranja respingue no terninho é o que importa. Objetivamente, o observador externo só poderia concluir que a situação é alucinatória. Um Machado de Assis ou um Jorge Luis Borges conseguiriam extrair um bom conto sem precisar exagerar.

Mas no contexto da burocracia brasileira, o que parece surreal torna-se banal. Ainda que seja, talvez, um traço de personalidade de Dilma Roussef, seu comportamento autoritário só é possível porque comportamentos similares sempre foram aceitos, tolerados e comuns desde muito antes de Dilma se tornar presidenta. Se os modelos e práticas profissionais ao seu redor mostram que é possível, e talvez até mais efetivo, ser autoritária, por que se reprimir? Por que mudar? Para quê considerar, respeitar a competência do outro? Mais fácil exigir que seja sempre do meu jeito, sem contestação. De quebra ainda dá uma publicidade gratuita para o governo.

Transparência pública, accountability, gestão para resultados, meritocracia. Tudo gracinha e super-duper moderno. Dá a aparência que o o Estado brasileiro está mais profissional. Talvez o contribuinte até acredite. Mas nas relações de trabalho, o que acontece, e que se espera que aconteça, é secretária servir café e marcar consulta médica particular, motorista levar esposa de juiz ao shopping com carro do tribunal, secretário de estado usar carro oficial para ir à academia, juiz morar em apartamento funcional de mais de 400 metros quadrados. O que importa, que dá resultado, são os favores prestados e cobrados, os privilégios do cargo. A hierarquia, mesmo entre os servidores civis, ainda é vista como uma relação entre patrão e empregado, não como de colaboradores com diferentes responsabilidades e que trabalham pelo bem público. Um ditado idiótico, e repetida ad nauseam na administração pública brasileira, sintetiza essa tradição: "Manda quem pode, obedece quem tem juízo".

Imagino que tipo de revolução precisará ocorrer no Brasil para que as relações de poder não sejam abusivas. No meu idealismo, sonho com uma revolução da massa dos servidores públicos que não mais aceitam a hierarquia tradicional, as arbitrariedades, o sistema da troca de favor, do jeitinho para o amigo do rei. Uma Revolução pacífica com as armas substituídas por carimbos (tinta vermelha?).

Mas a realidade é que a arma do status quo para se manter é muito mais poderosa: dinheiro. Há cargos comissionados o bastante na administração federal para comprar cumplicidade: seja para os que ocupam os cargos, sejam para aqueles que desejam ocupar os cargos. O dinheiro, mesmo temporário, compra idealismo, compra vontade de mudança, compra silêncio.

E nunca muda? Talvez mude. Devagar. Por pressões externas, por atos isolados e até mudança cultural. Mas a vida é curta e imprevisível. Esperar cansa, é tedioso.

Então eu esperneio, discordo e critico. Lembro que estar vivo é uma improbabilidade estatística. Que o improvável também acontece*. E tentar mudar pode ser divertido, ainda que desajuizado.

Meu cabelo tá quase lá!

* Não me interpretem como um defensor da loteria. Só jogue na mega-sena se você deseja pagar mais imposto.

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