2013-01-29

Neither Rhyme nor Reason

Em conversa ontem minha mãe falou da tristeza que estava sentindo pela tragédia em Santa Maria. Além das mortes de tantas pessoas jovens, ela ficou pensando que algo similar poderia ter acontecido comigo, que estudei longe de casa e numa cidade conhecida pela vida universitária (Campinas). Tentei desconversar que nunca fui muito de boate, mas, obviamente, ela estava certa. Mesmo já distante dos anos de vida universitária na graduação, a comparação foi inevitável e, sendo mãe, a identificação com as mães de vítimas da tragédia atingiu mais perto. A tragédia trouxe à memória que o improvável acontece e que poderia ser com alguém próximo.

Para um ateu, não há melhor explicação de não ter sido comigo do que o "tive sorte". Não que essa sorte tenha qualquer causa (ou uma causa possível de precisar). Minha sorte foi como a da maioria que não morre em acidentes, de doenças raras ou em tragédias. Uma sorte corriqueira, que damos por certa para qualquer motivo prático. Na verdade, temos de assumir que teremos essa sorte para conseguir viver com certa normalidade. Achar que o avião vai sempre cair é irracional e não nos leva longe.

Então uma tragédia como a de Santa Maria acontece e, especialmente pelo número e idade das vítimas, lembramos que um sábado à noite de diversão pode antecipar o provável ataque cardíaco na beira da praia com a quarta esposa aos 87 anos de idade. Ou não deixar que você complete aquele seu livro sobre o fim do machismo no ocidente que será completado e lançado mundialmente quando você estiver com 107 anos. Pode-se desejar e esperar que o improvável não aconteça. Pode-se até melhorar um pouco as probabilidades tendo uma vida saudável e não fazendo burrices como dirigir após alguns drinks porque você "tá super bem e é ótimo motorista". Mas não é possível ou prático evitar o improvável. Para ateus, que não acreditam em qualquer continuidade após a morte cerebral, pode parecer que a situação é desesperadora. Deus não te protege (nem te põe em roubadas com a desculpa de escrever certo por linhas tortas), não te dá a aprovação naquele concurso dos sonhos e você não vai reencontrar aquele grande amor numa vida eterna. Também não vai encontrar tempo para ler "Em Busca do Tempo Perdido". Sem rima nem razão, continuamos a existir guiados pela natureza e pelo meio. E, mesmo não sendo um bobo alegre que vê o lado bom em tudo, é possível ver a situação como estimulante (para alguns, antidepressivos ajudam).

Estimulante porque resta o presente com suas conseqüências; o futuro próximo que desejamos ansiosamente ou queremos ficar livres e seguir adiante; e os sonhos do futuro distante que esperamos que aconteçam sem imprevistos, mas que temos pouco (nenhum) controle sobre. Por sorte também, até coisas boas acontecem nesse futuro distante.

Restam os zilhões de detalhes da realidade, complexa além do que é possível simular ou conceber, mas que, por sorte, não parece estar à mercê de um criador caprichoso e onipotente. É possível aprender coisas novas e obscuras todos os dias que, com sorte, poderão ser usadas para impressionar a Camila Pitanga naquele esbarrão acidental no aeroporto.

Resta racionalizar que cada pessoa, com sua genética, cérebro e história únicas, é um acaso extremamente improvável, mas que aconteceu. Vai que a Camila Pitanga é uma chata e aquela paquera que parecia descompromissada é que vai ser a sua companheira para toda a vida.

Resta, finalmente, tentar desfazer a ilusão persistente de que somos so fucking special. Tivemos a sorte de ter um cérebro gigantesco (mas que dá uns bugs de vez em quando) e ter tido mais sorte na savana africana que nossos primos primatas. Ainda assim, realisticamente, não somos mais que poeira cósmica. Exceto para as mães.

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