Saiu hoje na Folha.de São Paulo a notícia de que a nova diretora da Petrobras, Graça Foster, mandou enterrar um equpamento de R$ 51 milhões para cumprir o prazo de entrega de um gasoduto. Vamos tomar a notícia no seu valor de face, ainda que isso não seja seguro. Mas serve para o exercício de dissonância.
Se os fatos parassem aí, a reação de qualquer leitor é previsível: que absurdo, que descaso. Mas a Folha piora um pouco:
"Obcecada pelo cumprimento de metas, Graça, como gosta de ser chamada,
autorizou o abandono do equipamento, um perfurador de rochas para
túneis."
Sugere-se que a irresponsabilidade do ato é causada por um traço de personalidade, a obsessão. Passa-se a idéia de uma pessoa descontrolada e que não se importa com o dinheiro do contribuinte para satisfazer seus caprichos. Só ao final da matéria o lado da Petrobras é explicado:
"Cálculos iniciais da equipe de Graça Foster previam que a retirada da
tuneladora após o término da perfuração poderia atrasar o início do
escoamento do gás em seis meses.
[...]
A Petrobras afirmou que o abandono do equipamento evitou prejuízo maior."
E, novamente, vamos tomar a afirmação da Petrobras como verdadeira.
Retirar o equipamento seria mais caro do que enterrá-lo. O prejuízo de
não ter o gás seis meses antes do tempo custaria mais à Petrobrás (e ao
povo brasileiro) do que a obsessão de executar uma obra como planejada
do início ao fim. O artigo não menciona o porquê do atraso, mas duas possibilidade vêm à mente:
1 - O atraso foi causado pelo planejamento ruim, ineficiente dos gestores da Petrobras;
2 - O atraso foi causado por imprevistos durante a obra.
Sem detalhes adicionais, o benefício da dúvida deve ir para a Petrobras. Uma das maiores, mais competentes e lucrativas empresas do mundo não costuma ter planejamento ineficiente, não pode ter planejamento ineficiente. Com ações na bolsa qualquer vacilo custa muito mais que R$ 51 milhões e não há evidência de que a Petrobras seja ineficiente ou desorganizada. Por outro lado, um imprevisto numa obra complexa é uma certeza estatística, não uma possibilidade remota. Qualquer pessoa corajosa o suficiente para construir uma casa, ainda que pequena, sabe que shit happens, que quase sempre a obra sai mais cara que o planejado. Até a engessada Lei 8.666/93 do governo prevê uma margem de 50% de variação no custo para obras maiores.
Se o grande imprevisto aconteceu e o atraso custaria mais que os R$ 51 milhões do custo da máquina, a decisão de Foster e equipe foi acertada, um exemplo impecável de competência gerencial, de responsabilidade com os recursos públicos. E de coragem, sem dúvida. Não é qualquer um que assume o risco de enterrar uma máquina de R$ 51 milhões, especialmente sabendo o que imprensa faria com o fato.
Acertada e de coragem, a idéia de Graça Foster lembrou-me da icônica foto abaixo durante a retirada de civis de Saigon no final da guerra do Vietnam. No caos do resgate por helicóptero não havia espaço para os helicópteros que chegavam e nem tempo para levá-los a outro local. A única solução era jogá-los no mar para que outros helicópteros descarregassem mais pessoas escapando da guerra. Decisão mais fácil, sem dúvida, mas que sorte a dos americanos não terem uma Folha de São Paulo.
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